No último post, algumas pessoas criticaram fortemente a estratégia de usar o Renda+ como fonte de renda para a independência financeira. Recebi comentários de todos os tipos: alguns bem fundamentados, que trouxeram reflexões interessantes e até contribuições valiosas; outros, nem tanto — meras especulações baseadas em achismos ou desinformação.
Esse tipo de reação me fez pensar sobre a pluralidade de opiniões no universo dos investimentos. Afinal, será que tudo nesse mundo é relativo? Será que não existem verdades absolutas quando o assunto é dinheiro, risco e retorno?
Acredito que sim, existem verdades incontestáveis — e até me surpreendi com alguns comentários que ignoravam completamente essas verdades no post anterior.
Verdades incontestáveis são como “1 + 1 = 2” ou a lei da gravidade. Princípios que não dependem de opinião ou contexto para se manterem válidos. E, pra nossa sorte, no mundo dos investimentos também existem algumas dessas verdades: elementos baseados em pura matemática, que continuam valendo independentemente da sua estratégia, do seu perfil de risco ou do seu plano de aposentadoria.
Ter clareza sobre essas verdades ajuda muito, especialmente quando começamos a pensar com mais emoção do que razão sobre os nossos investimentos. Elas funcionam como um norte. Um ponto de partida. Um lembrete de que, apesar da incerteza que envolve o futuro, existem pilares que seguem firmes.
É impossível afirmar com certeza que o governo federal nunca dará um calote na dívida interna, ou que as regras do Renda+ permanecerão estáveis pelas próximas décadas. Também não dá pra garantir que a inflação será sempre controlada, ou que o cenário econômico estará livre de interferências externas imprevisíveis.
Mas, por outro lado, também não dá pra afirmar com certeza que tudo isso vai acontecer.
O que nos resta é nos agarrarmos às verdades que podemos afirmar com segurança. Aqui estão algumas delas:
Duration longa garante um piso real mesmo com inflação alta
Como destaquei no post anterior, uma das maiores vantagens do Renda+ é a possibilidade de alinhar sua taxa segura de retirada ao retorno real da carteira.
Mas algumas críticas surgiram — especialmente sobre a possibilidade de hiperinflação corroer essa lógica. Um argumento recorrente foi: “Mas se o imposto de renda incide sobre o valor nominal (inclusive a inflação), então não é verdade que a rentabilidade real está garantida”.
É uma preocupação válida. De fato, em cenários inflacionários, o imposto de renda sobre a parcela inflacionária do rendimento pode afetar a rentabilidade real líquida. Só que esse impacto tem um limite — e é justamente aí que entra o papel da duration longa.
Quando você investe em um título com vencimento muito longo (como o Renda+ permite fazer), você não realiza ganhos todos os anos. Você só vai pagar imposto lá no vencimento. Isso muda completamente o jogo.
A fórmula para o juros real líquido de imposto leva em conta a defasagem entre a rentabilidade acumulada e a incidência única de IR no final. E essa defasagem, quanto mais longa for, mais dilui o impacto do imposto sobre a inflação.
Ou seja, em termos práticos: existe um piso para a rentabilidade real líquida quando falamos de títulos com duration longa. Mesmo em cenários extremos de inflação, esse piso protege seu poder de compra de forma muito mais eficiente do que aplicações de curto prazo.
A lógica pode parecer contraintuitiva à primeira vista, mas os números não mentem. Inclusive, eu já desenvolvi uma calculadora que permite visualizar esse efeito e comparar diferentes cenários.
Por exemplo, imagine que você investe em um título com vencimento em 30 anos, pagando IPCA+7% ao ano. Se a inflação for de 10% ao ano durante todo esse período, o retorno real líquido (ou seja, já descontando o imposto de renda sobre os juros nominais) será de aproximadamente 6,22% ao ano.
Agora, vamos exagerar: suponha um cenário surreal, com hiperinflação de 1.000% ao ano durante os mesmos 30 anos. Parece que tudo estaria perdido, certo? Mas, surpreendentemente, o retorno real líquido continuaria sendo de 6,22% ao ano.
Sim, exatamente o mesmo. Isso porque o imposto incide sobre os juros nominais (que acompanham a inflação), mas a defasagem do pagamento (lá no vencimento) e o efeito do juro composto ao longo de três décadas fazem com que a mordida do Leão seja proporcionalmente cada vez menor.
Ou seja, o retorno real líquido se mantém surpreendentemente alto, mesmo com o imposto sobre o montante total.
1% de um número muito grande, é um número muito grande
Um dos comentários mais surpreendentes no post anterior foi a ideia de que “7% de juros real, num cenário de hiperinflação, não parece muita coisa”.
Esse tipo de colocação revela uma confusão comum: a dificuldade de compreender o poder das taxas percentuais quando aplicadas a grandes números. Mas quem entende o básico de cálculo com limites sabe que, quando o montante cresce indefinidamente, até mesmo uma taxa pequena pode gerar um resultado imenso. Em outras palavras: 1% de um número muito grande, é um número muito grande.
Vamos ilustrar com um exemplo simples.
Imagine que você tem um custo de vida de R$70 mil por ano, e um patrimônio de R$1 milhão investido com retorno real garantido de 7% ao ano (vamos ignorar o IR aqui pra facilitar a conta). Com esse rendimento, você conseguiria viver dos juros, mantendo seu poder de compra ao longo do tempo.
Agora, vamos estressar o cenário: suponha que a inflação suba para 100% ao ano — ou seja, seu custo de vida dobra, indo para R$140 mil anuais.
Mas veja: se o seu investimento é indexado à inflação, seu patrimônio também dobra, indo para R$2 milhões. E 7% sobre R$2 milhões dá exatamente os R$140 mil que você precisa para manter seu padrão de vida.
Ou seja: a taxa real permanece elevada, mesmo em cenários extremos. Porque o que importa não é o valor absoluto, e sim o percentual aplicado sobre um montante crescente ao longo do tempo.
E por isso, 7% de um número muito grande, é um número muito grande. Outra verdade incontestável.
O que importa é o CAGR, e não a rentabilidade média
Outro comentário que já apareceu bastante por aqui é: “minha carteira de investimento rende em média 10% ao ano”. Parece ótimo, né? Mas cuidado, porque a média simples pode enganar feio.
Imagina que você investiu R$1.000.
- No primeiro ano, o investimento valoriza 50%. Agora você tem R$1.500.
- No segundo ano, ele desvaloriza 30%. Seu saldo cai para R$1.050.
No fim de dois anos, seu ganho total foi de apenas R$50 — ou seja, 5% de retorno acumulado no período.
Agora, olha o detalhe:
Se você fizesse a média simples desses dois anos, teria:
(50% – 30%) ÷ 2 = 10% ao ano.
Mas essa média enganosa não reflete o que realmente aconteceu com o seu dinheiro.
O crescimento real — chamado de CAGR (taxa composta de crescimento anual) — foi de apenas 2,47% ao ano.
Ou seja: enquanto a média parecia indicar um ótimo retorno, o crescimento real foi bem modesto.
Esse exemplo mostra por que é tão importante entender a diferença entre média aritmética e rentabilidade composta (CAGR) ao avaliar investimentos.
Por que o CAGR é quem realmente importa? Porque ele reflete o crescimento contínuo do valor investido, sem ser distorcido por oscilações temporárias. Enquanto a média simples pode dar a impressão de que um investimento teve um bom desempenho, o CAGR vai te mostrar se o seu dinheiro realmente cresceu de maneira consistente ao longo do tempo.
No mundo dos investimentos, juros composto é um dos conceitos mais poderosos, e o CAGR é a chave para entendê-lo de forma simples e precisa. Então, ao invés de olhar para médias anuais que podem te dar uma falsa sensação de segurança, é o CAGR que vai te mostrar a realidade do seu portfólio ao longo do tempo.
Ativos descorrelacionados reduzem o risco da sua carteira
Existem várias formas de medir risco no mundo dos investimentos. Risco de crédito, risco de mercado, risco de liquidez, risco jurídico… Todos esses são importantes e podem ser avaliados, mas dificilmente trazem verdades incontestáveis.
Pra nossa sorte, existe sim uma medida de risco que é puramente matemática: a volatilidade da sua carteira.
Se você tem dois ativos A e B na carteira, a volatilidade total (σₚ) da carteira depende não só da volatilidade individual de cada ativo, mas também da correlação entre eles. A fórmula geral da volatilidade de uma carteira com dois ativos é:
σₚ² = wₐ²·σₐ² + wᵦ²·σᵦ² + 2·wₐ·wᵦ·Cov(A,B)
Onde:
- σₚ é a volatilidade da carteira
- wₐ e wᵦ são os pesos de A e B na carteira
- σₐ e σᵦ são as volatilidades dos ativos A e B
- Cov(A,B) é a covariância entre os ativos
Como a covariância está diretamente ligada à correlação (Cov(A,B) = ρ·σₐ·σᵦ), se os ativos forem negativamente correlacionados (ρ < 0), o último termo da fórmula reduz a volatilidade total da carteira. Isso significa, na prática, que incluir ativos descorrelacionados diminui o risco total, mesmo que individualmente eles tenham certa volatilidade.
A covariância parece um conceito meio esotérico, mas no fim das contas ela depende da correlação entre os ativos. Quando os ativos se movem em direções opostas, ou seja, têm correlação negativa, a covariância entre eles também é negativa. Isso é o que chamamos de ativos descorrelacionados.
Traduzindo: é possível reduzir o risco da carteira e fazer uma diversificação de verdade quando você combina ativos que se movem em direções diferentes.
Algumas pessoas criticaram meu post anterior porque entenderam que eu estava defendendo uma estratégia 100% concentrada no Renda+, o que não é verdade. Quem acompanha o blog sabe que eu sempre defendi a diversificação — talvez não tenha deixado isso tão claro naquele post específico. Mas é importante lembrar: diversificar dentro do Brasil pode não significar uma diversificação real. Historicamente, ativos brasileiros — mesmo misturando renda fixa e renda variável — andaram muito juntos. Ou seja, foram bastante correlacionados. Claro, isso não é uma verdade absoluta e pode mudar no futuro. Mas olhando pro retrovisor, a diversificação mais eficiente foi, sim, investir fora do Brasil.
O ceticismo com relação ao Renda+
Os comentários negativos sobre o Renda+ no post anterior casaram perfeitamente com o momento atual do meu estudo de filosofia, em que estou mergulhada no pensamento dos céticos. Essa palavra que a gente usa pra tanta coisa — sem nem saber direito o que ela significa.
O mais curioso é que todo esse pessimismo surgiu bem na hora que eu estava estudando a escola dos céticos em filosofia. No meu curso, o professor dividiu o pensamento filosófico em três linhas:
- Dogmáticos: acreditam que é possível encontrar a verdade;
- Acadêmicos: acreditam que é impossível encontrar a verdade;
- Céticos: acreditam que não se pode afirmar se é possível ou impossível encontrar a verdade.
No mundo dos investimentos, nós não sabemos, de verdade, como serão os próximos 60 anos — que é o horizonte de tempo que considero relevante pra mim. Eu não sei se o governo federal vai honrar a dívida interna, se haverá manipulação da inflação, se o real vai derreter, ou se vamos passar por uma nova hiperinflação.
E honestamente, eu também não sei a verdade sobre várias outras classes de ativos. Não sei se os fundos imobiliários serão melhores no futuro, se ações de boas pagadoras de dividendos vão bater o Renda+, ou se o S&P em dólar continuará sendo altamente rentável.
Se eu pareci dogmática com relação ao Renda+, não foi essa a intenção. Esse é um blog opinativo porque acredito que ser ativo é melhor do que ser inerte. Mesmo reconhecendo que não temos domínio sobre a verdade, eu continuo achando que não investir é pior do que investir.
E como agir nesse cenário de incerteza? A melhor forma que encontrei foi usar o bom senso. Apesar de não saber como será o futuro dos investimentos, eu posso olhar para o passado. E no passado:
- A renda fixa no Brasil ganhou da renda variável em muitos períodos;
- Ciclos de baixa nos juros dificultaram o reinvestimento;
- Casos de calote na dívida interna foram raros, assim como episódios de hiperinflação;
- Estratégias passivas geralmente performaram melhor que as ativas;
- Títulos IPCA+ venceram os prefixados na maioria dos ciclos;
- E o dólar, historicamente, teve correlação negativa com os títulos IPCA+, o que o tornou uma boa diversificação.
Além disso, me dou o direito de mudar de opinião. Se no futuro os dados indicarem que os títulos IPCA+ já não são mais uma boa opção, ou que diversificar com renda variável em moeda forte deixou de fazer sentido, vou revisar minha estratégia. E, ao contrário do que muitos acreditam, é totalmente possível vender os títulos do Renda+ antes do vencimento. É claro, isso pode ocorrer por um preço inferior ao da compra, assim como pode acontecer com qualquer investimento em ações ou FIIs.
Se você está cético em relação ao Renda+, saiba que eu também sou. Não me coloco na posição dos dogmáticos, nem me identifico com os acadêmicos, na definição clássica apresentada pelo meu professor de filosofia. Eu sigo investigando. E talvez a verdade — se é que existe — só venha aos 90 anos de idade. Até lá, sigo estudando, escrevendo e investindo — com o bom senso como guia.