Estou escrevendo este texto em meio a onda de calor de São Paulo em que eu posso aproveitar a piscina do meu prédio numa tarde de segunda-feira porque eu não tenho obrigação de estar no trabalho. Isso logo após retornar de uma viagem de 20 dias pelo Canadá, onde estive com amigas e realizei o sonho de visitar aquelas que decidiram morar lá (um sonho duplo, o meu de visitá-las e o delas de me receberem!).

Ao voltar para casa e ler os comentários no meu querido blog, percebo que um dos comentários sugere que eu lesse um artigo que afirma que “FIRE está morto“.

Deixando de lado as argumentações matemáticas e as críticas à regra dos 4%, que é um dos pilares do movimento FIRE, mas não o único, como muitos imaginam, as demais críticas à vida FIRE me parecem um tanto cansativas.

Estou completando dois anos e meio de vida FIRE, e não acredito que o conceito esteja morto.

Com o tempo livre que conquistei, um dos meus passatempos favoritos tem sido estudar filosofia. Recentemente, descobri a escola do relativismo, que afirma que tudo é relativo e não existem respostas simples para questões complexas. Ainda sou leiga no assunto para debater com profundidade, então peço desculpas se algum filósofo achar que estou viajando na maionese.

A maioria das pessoas que critica o movimento FIRE o faz de uma perspectiva relativa, compartilhando alguns pontos em comum. Essas críticas normalmente vêm de pessoas que têm dificuldade em controlar seus orçamentos mensais, em grande parte devido à falta de controle sobre os outros membros de suas famílias. Ou têm parceiros gastadores que não aderiram ao projeto ou têm filhos.

Se você não controla os outros membros de sua família, é óbvio que o caminho FIRE se torna um pouco mais desafiador. Como declarar independência financeira se você não sabe quanto gastará no futuro, porque seu parceiro pode pressioná-lo a aumentar o padrão de vida? Ou se você ainda não sabe quantos filhos deseja ter?

No entanto, a crítica que talvez seja mais interessante é a de que a vida FIRE é um conceito superestimado.

Sim, a ideia de abandonar o seu trabalho e fazer nada é extremamente atraente quando você está preso em uma reunião que poderia ter sido um e-mail com um chefe detestável.

Mas será que a vida FIRE é realmente a resposta para todos os seus problemas?

A resposta é claramente não.

Uma vez, quando enviei uma foto de uma das minhas viagens pós-FIRE para uma amiga, ela comentou que eu tinha “a expressão de quem conquistou a vida”. E eu respondi: “Eu só venci o jogo do capitalismo, mas estou longe de vencer o jogo da vida!”

Minha vida está longe de ser perfeita, assim como a de todos os outros habitantes deste nosso maravilhoso planeta. Duvido que Elon Musk sinta que venceu o jogo da vida!

Mas, se a vida FIRE não é a solução para todos os nossos problemas, ainda vale a pena tentar?

Com certeza!

Se você não se encaixa no grupo que mencionei acima, aqueles que veem sua família como um grande obstáculo para a vida FIRE, então acredito que perseguir a independência financeira continua sendo um grande objetivo.

A maldição do desejo é uma ideia amplamente difundida na comunidade e é a base da vida frugal. Basicamente, ela nos diz para não cairmos na armadilha de acreditar que, quando estivermos dirigindo um Mercedes, seremos felizes para sempre, porque não seremos!

E, infelizmente, essa maldição também se aplica ao conceito FIRE. Não devemos cair na armadilha de acreditar que, quando nos tornarmos FIRE, seremos felizes para sempre, porque não seremos. Ainda enfrentaremos desafios como a alocação do nosso tempo, questões familiares, amigos que ostentam um estilo de vida consumista ao nosso redor e o medo de que o mercado financeiro possa mudar a qualquer momento (o que explica por que falo tanto sobre estratégias de investimento aqui!).

Claro que não devemos ser escravos dos nossos desejos. E acredito que a comunidade FIRE compreende bem esse aspecto. É impossível viver de forma frugal e ceder a todas as tentações dos nossos desejos.

No entanto, talvez os críticos do FIRE errem ao acreditar que nenhum desejo vale a pena ser realizado, nem mesmo o desejo de alcançar a independência financeira. Porque ele não é perfeito, porque não será a solução para todos os nossos problemas, porque tem vários aspectos negativos.

A única alternativa seria viver uma vida sem desejos, o que acho humanamente impossível.

Não desejar nada na vida é o mesmo que estar morto. Sim, são nossos desejos e sonhos que nos impulsionam. A menos que você seja muito religioso, há poucas coisas que dão sentido à nossa existência além de realizar nossos sonhos.

Eu vivi uma experiência dolorosa com a pessoa mais importante da minha vida, que desistiu de ter desejos na vida. Ela embarcou em uma busca incessante pela felicidade, conquistou muitas coisas, como um casamento romântico, duas filhas incríveis e ascensão social. No entanto, cada uma dessas conquistas tinha seu lado negativo. O casamento romântico exigiu concessões, criar as filhas de perto significou o fim de sua carreira, e ascender socialmente a fez perceber que a grama do vizinho sempre é mais verde. Ela realizou seus sonhos, mas eles não se mostraram perfeitos. Então, ela desistiu de ter sonhos, e foi quando perdeu o ânimo pela vida. A depressão tomou conta e a perdi em poucos anos.

Entender que nossos desejos vêm com efeitos colaterais não deveria ser motivo para desistir deles. Isso faz parte da vida. Focar excessivamente nos efeitos colaterais e desanimar na busca pelo desejo em si é um desastre para nós, seres humanos. Quando começamos a acreditar que todo desejo é uma maldição, incluindo o FIRE, e que o melhor é não tentar realizar nossos sonhos, a pergunta “por que estamos aqui?” nos assombra.

Se precisamos de desejos, e se nossa ambição é o que dá sentido à vida, então devemos escolher nossos desejos com sabedoria.

Eu acredito que desejar uma vida FIRE é um ótimo desejo.

Gosto quando dizem que o ganho de satisfação com a vida é uma conta de subtração, não de adição. Nossa felicidade aumenta quando eliminamos o que nos faz infelizes.

Alcançar a independência financeira significa eliminar o tempo gasto no trabalho apenas para pagar as contas. Significa eliminar a necessidade de dedicar cinco dias por semana, oito horas (ou mais) por dia, a tarefas frequentemente burocráticas ou para agradar um chefe, que não nos proporcionam uma sensação positiva de produtividade. Significa eliminar a necessidade de cumprir metas irrealistas, conviver com colegas de trabalho desagradáveis e negociar férias. Em suma, significa superar um estilo de vida infeliz que é comum nas regiões mais ricas do Brasil.

É simplista afirmar que o FIRE está morto e desistir da busca por independência financeira porque não garante felicidade.

Às vezes, a frustração das pessoas em relação ao conceito FIRE me parece uma interpretação ingênua do conceito. Eu me incluo nesse grupo de ingênuos, pois, às vezes, percebo que estou enfrentando desafios que apenas alguém que optou por se aposentar cedo pode compreender. Não se trata necessariamente de um conceito que promete felicidade eterna. Essa nunca foi a promessa da vida FIRE.