Investir em dólar se eu quero viver no Brasil?

Muitas pessoas têm o sonho de morar fora do Brasil quando atingem a independência financeira. Para essas pessoas, faz muito sentido alocar uma parte significativa de seu patrimônio em moeda forte, como o dólar, especialmente se desejam viver em um país desenvolvido.

Ou então, você pode escolher viver uma vida que nem a aposentada aqui, que pretende morar alguns meses do ano na Europa e a maior parte dele no Brasil. Como minha meta é passar quatro meses por ano fora (1/3 do ano), eu decidi alocar 1/3 dos meus investimentos em moeda forte.

Mas nem todos têm o desejo de viver no exterior, talvez nem mesmo viajar para fora todos os anos. Nesse contexto, ainda faria sentido investir em dólar?

A resposta é SIM. Mas como eu gosto de fazer exercícios elaborados com os leitores desse blog, vamos a uma resposta um pouco mais detalhada.

Além de investir em dólar, investimento também em S&P

Antes de mais nada, eu sou fã de investimentos passivos, envolvendo ativos que geram renda, protegem contra a inflação e oferecem alguma previsibilidade. E é por isso que eu não recomendo investir em Fundos Imobiliários (FII), que possuem gestão ativa, ou montar uma carteira de dividendos, que demanda também uma gestão ativa da sua parte. Pessoalmente, invisto somente em índices e em ativos de renda fixa que pagam IPCA + rendimento adicional aqui no Brasil.

Mas, a opção de investir no índice da Bolsa Brasileira tem se mostrado uma péssima escolha nos últimos anos. Eu já fiz um post inteiro sobre isso, mas em resumo, como os nossos juros são altos, a bolsa brasileira não consegue entregar um retorno tão atrativo assim. Pelo menos foi isso que aconteceu nos últimos anos, e o que deve continuar acontecendo enquanto os juros permanecerem altos por aqui Assim, investir na Bolsa americana é uma opção mais atrativa do que investir na Bolsa brasileira.

Então a ideia aqui é investir não apenas em dólares, mas também alocar esses dólares na bolsa americana para receber os benefícios de ser sócio das maiores empresas do mundo. Essa estratégia pode ser facilmente implementada investindo no ETF IVVB11 aqui no Brasil ou adquirindo o ETF CSPX por meio de uma corretora internacional.

A regra dos 4% dos americanos se aplica aos brasileiros?

Já comentamos sobre a regra dos 4% aqui, mas vale reforçar. Para viver de renda investindo em bolsa, você deve sacar apenas 4% ao ano dos seus investimentos para pagar as suas despesas anuais.

Essa famosa regra dos 4% tem como base um período em que o S&P rendeu, em média, 9,8% ao ano.

Mas como vocês já bem sabem, de nada adianta o retorno nominal, mas também o retorno real, que leva em conta a inflação. Ao descontar a inflação, o S&P apresentou uma média de retorno real de 7% ao ano.

Alguns se perguntam por que a taxa de retirada segura para viver de renda é de apenas 4% ao ano, e não 7%. Isso ocorre devido à importância da sequência de retornos! Esse é um conceito que já discutimos em outras ocasiões, mas basicamente, você deve ajustar suas retiradas para evitar retirar muito durante os períodos de baixa no mercado.

E quanto a nós, brasileiros? Se desejamos investir em algo como o IVVB11, a regra dos 4% ainda é segura?

Para responder a essa pergunta, precisamos fazer dois ajustes. Primeiro, ajustar para a taxa de câmbio e, segundo, ajustar para a inflação brasileira.

Infelizmente, devido a períodos de hiperinflação e mudanças de moeda, um estudo completo desde 1920 distorce muito os resultados. Mas podemos fazer um ajuste considerando o período pós-Plano Real, ainda que esse período seja mais curto em comparação com o estudo original da regra dos 4%.

Entre 1994 e 2023, o S&P apresentou uma média de retorno de 8,2% ao ano. Descontada a inflação americana, isso representa um retorno médio real de 5,6%.

Todos sabemos que, em 1994, quando o Plano Real foi implementado, um real equivalia a um dólar. Atualmente, precisamos de 5 reais para comprar um dólar. Isso significa que quem investiu em dólares e no S&P em 1994 se beneficiou tanto do crescimento do S&P quanto da depreciação do real em relação ao dólar.

Assim, ao ajustar para a valorização cambial, o rendimento médio nominal chega a 14,4% ao ano para os brasileiros. Ou seja, se o IVVB11 já existisse em 1994, quem tivesse investido nele desde então poderia contar com um rendimento de 14,4% ao ano.

A diferença entre o rendimento do S&P em reais (IVVB11) e o S&P em dólar faz sentido devido à inflação mais alta no Brasil. Isso, inclusive, é um dos principais fatores que explicam a desvalorização do real em relação ao dólar.

Um pequeno adendo sobre economia. A inflação mais alta significa que os preços dos bens e serviços estão aumentando rapidamente. Isso leva a uma diminuição do poder de compra da moeda local, o que faz com que os consumidores possam comprar menos com a mesma quantidade de dinheiro. Como resultado, a moeda perde valor em relação a moedas estrangeiras, incluindo o dólar.

E quanto ao rendimento real do S&P convertido para reais (IVVB11), considerando a inflação brasileira?

Nesse cenário, o resultado é um retorno médio anual de 6,6%. Isso representa um resultado 1% acima do retorno real do S&P em dólar após descontar a inflação dos EUA.

Esse 1% acima só poderia vir de duas fontes. Ou a nossa inflação foi mais baixa (o que não foi) ou a depreciação da nossa moeda mais do que compensou a diferença de inflação (que foi o caso). Esse segundo motivo talvez esteja aí para compensar os riscos maiores que corremos como brasileiros, investindo em bolsa e moedas estrangeiras. E com certeza compensam os custos de transação do câmbio.

Infelizmente, ainda não temos uma série de dados suficientemente longa para aplicar a regra dos 4% ao IVVB11 (ou seja, ao S&P convertido em reais). Seria valioso avaliar várias janelas de 30 anos, mas ainda nem temos uma janela de retorno de 30 anos completa (entre 1994 e 2024), então levará alguns anos até que possamos realizar essa análise.

Mas o fato dos retornos reais, considerando câmbio e inflação brasileira, ficarem próximos, é bastante animador.

Em última análise, os números próximos fazem sentido. Como expliquei anteriormente, a inflação mais alta no Brasil é um dos motivos para a depreciação do real frente ao dólar. Ao investir no IVVB11, você se beneficia do fortalecimento do dólar, o que, por sua vez, compensa a inflação mais alta em nosso país.

O que eu posso afirmar com base nas contas acima é que,  se nossos colegas norte-americanos confiam na regra dos 4% para sua independência financeira, nós também podemos confiar. Mesmo que você escolha viver no Brasil e tenha gastos em reais, ainda é viável usar a regra dos 4% e investir no S&P para conquistar sua independência financeira.

IVVB11 ou CSPX?

Do ponto de vista de estratégia de investimentos, dá na mesma comprar ETF de S&P no Brasil ou abrir conta lá fora, e comprar ETF de S&P.

Mas do ponto de vista de custos e impostos, pode fazer bastante diferença. E acho que tem um fator psicológico importante também.

Quanto ao aspecto psicológico, pode ser benéfico ter uma parte de seu patrimônio em outro país. O Brasil é relativamente seguro, e é improvável que você precise deixar o país como os ucranianos em meio à guerra. Mas, nossos vizinhos argentinos podem ter sentido alívio ao manter contas no exterior, especialmente considerando os controles cambiais que foram impostos em seu país. No meu caso, a tranquilidade de ter parte de meu patrimônio em outro país é o principal motivo para manter uma conta lá fora.

O segundo ponto é uma questão de taxas. Enquanto investir no IVVB11 tem um custo de 0,23% ao ano, investir no CSPX tem um custo de 0,07% ao ano. Ou seja, você economiza 0,16% ao ano de taxa.

Mas, se você pretende usar os investimentos no exterior para gastos em reais, é necessário considerar o custo da conversão de reais para dólares. Em média, essa conversão envolve uma taxa de 1%.Como você só vai retirar 4% de sua carteira a cada ano, da sua carteira todo ano, então você pagará 1% apenas sobre esse valor, o que se traduz em uma taxa de conversão de 0,04% ao ano. Esse custo facilmente se compensa com a diferença na taxa de administração entre CSPX e IVVB11.

Um desafio atual no Brasil é estimar os custos fiscais relacionados ao Imposto de Renda, com tanta reforma prevista neste campo.

Hoje, ao investir no IVVB11, é necessário pagar 15% de Imposto de Renda sobre os rendimentos.

Já ao investir no exterior, há isenção de IR para saques de até R$35 mil por mês. Mas, o governo pretende alterar essa regra, possivelmente ainda neste ano. A proposta é que a isenção fique restrita a rendimentos de até R$6 mil ao ano, com alíquota de 15% para rendimentos anuais entre R$6 mil e R$50 mil, e alíquota de 22,5% para rendimentos anuais acima de R$50 mil.

Essas alíquotas incidem apenas sobre o rendimento, tornando os cálculos mais complexos.

Assim, para quem planeja sacar até R$50 mil por ano, o imposto será o mesmo para quem investir aqui ou lá fora.  

Porém, para saques acima de R$50 mil anualmente, a situação complica. Se somente 50% do saque anual for proveniente de ganhos com juros, o CSPX teria um custo adicional de 0,15% ao ano em relação ao IVVB11 [(22,5% – 15%) x 4% x 50%]. Se o rendimento representar mais de 50% de seus saques, então o CSPX começaria a perder sua atratividade.

O desafio é que, ao longo dos anos, a parcela dos ganhos deve se tornar muito maior do que a parcela do principal.

Por exemplo, considere um investimento de R$100 mil com uma taxa de juros de 10% ao ano. Após 10 anos, o investimento valerá R$259 mil, dos quais 39% (R$100 mil / R$259 mil) correspondem ao principal e os demais 61% são provenientes dos juros. Nesse cenário, você precisará pagar impostos sobre 61% do saldo.

Mas tudo é muito incerto em termos de impostos e Brasil, então eu não tomaria a decisão de investir no IVVB11 ao invés do CSPX por essa questão fiscal. Como comentei acima, ainda acho o fator psicológico da paz de espírito de ter parte de seu patrimônio em outro país o mais relevante!  

O recado principal desse post é que investir em S&P 500, o investimento queridinho da comunidade FIRE gringa, é sim uma ótima opção para nós, brasileiros.

8 respostas

  1. Uma dúvida, como fica agora a análise sobre os impostos com a nova lei?
    Na teoria fica no zero a zero? Investir no ivvb11 ou no ivv?

  2. Ola Aposentada, excelente post! Inclusive li alguns outros primeiro até chegar nessa aqui e pude perceber como você gosta de embasar suas decisões com dados como no último post sobre porque não investe em fiis.
    Meu questionamento para você é o seguinte:
    Você tem dados que embasem sua decisão pelo S&P ao invés de investir no mercado global(VT/VWRA)?
    Esse é um questionamento que eu me fiz durante muito tempo e depois de muito pesquisar na comunidade FIRE gringa pude perceber que o mais adequado para não residentes americanos é investir no mundo inteiro para diminuir o risco do câmbio da moeda do país de sua residência. Fora outras questões como menor volatilidade, não precisar acertar o país que irá performar melhor e evitar exemplos como da década de 2000 que foram ruins para a bolsa americana.

    1. Oi Paulo!

      Essa definitivamente é uma questão em aberto pra mim, rs. Talvez minha preferência pelo S&P seja por ter visto tanto estudos sobre o tema.
      Na história, S&P tem performado melhor que o MSCI World ex US. Mas isso porque a última década foi muito boa para o S&P. E o S&P tem um viés claro pro setor de tecnologia. Se a onda virar pra outro setor, será que o S&P acompanha?
      Eu acho que em algum momento vou começar a migrar para o VWRA. Mas confesso que com essa performance do S&P, rs, não to com pressa!

      Se você gosta de dados, o blog abaixo é sensacional (e minha fonte de inspiração muitas vezes!). Nesse post ele comenta bem sobre esse histórico:
      https://ofdollarsanddata.com/should-your-portfolio-be-100-u-s-stocks/

      Divirta-se!

  3. Excelente post, agradeço pelos seus posts de ótima qualidade. Eu acabo investindo em ivvb11 pela comodidade, além de servir como garantia b3 em caso de venda a descoberto e também por poder render algum dinheiro na custódia remunerada (no caso de você ser o doador). Sem contar que fica tudo centralizado e mais fácil pro imposto de renda.

    Abs,

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