Tédio e consumismo

Outro dia, enquanto eu curtia mais um episódio do programa Linhas Cruzadas, fui provocada por uma reflexão do ilustre Pondé. Ele compartilhou uma história curiosa sobre um parque próximo à sua residência, que fecha as portas pontualmente às 17h. O detalhe curioso é que, aos domingos, por volta das 16h, ainda há uma imensa fila de carros esperando para entrar no estacionamento do parque. E ele se questiona com sagacidade: “Essa é a concepção de lazer das pessoas? Ficar meia hora aguardando para estacionar o carro e dispor apenas de meia hora para passear no parque?”.

Confesso que ri. É o típico absurdo que todos nós cometemos, mas só percebemos o quão absurdo é quando alguém nos provoca a reflexão. É exatamente esse insight que confere graça à página “Perrengue chique” no Instagram.

A verdade é que não sabemos ao certo o que fazer com nosso tempo livre. Trabalhamos arduamente e, quando temos a oportunidade de nos divertir, acabamos preenchendo esses momentos com atividades estranhas do tipo aguardar em filas de parques ou comprar coisas das quais não precisamos.

Recentemente, em uma sessão de consultoria, apresentei a um cliente minha estratégia semanal de controle de gastos variáveis. A abordagem é simples: estabelecer uma meta semanal e registrar todos os gastos, como supermercado, restaurantes, combustível, compras e afins. Nesse contexto, o cliente questionou: “Mas e se atingir minha meta antes do final da semana?”. E eu respondi: “Aí você aguarda até a próxima semana para retomar os gastos. Enquanto isso, aproveite o que já tem em casa e dê uma pausa nas compras”. E ele retrucou: “Mas será que faz sentido viver dessa maneira? Eu vou morrer de tédio”.

Tédio como falta de sentido na vida

A provocação do cliente me levou a mergulhar em pesquisas sobre a essência do tédio, e cheguei à conclusão de que ele surge da falta de significado na vida.

Quando nos envolvemos em atividades repetitivas, monótonas ou desprovidas de desafios, nossa existência perde um sentido mais profundo e o tédio se instala.

É por isso que desfrutamos de um novo trabalho, mas depois de alguns meses fazendo as mesmas tarefas, ele perde a sua essência. É por isso que as paixões são efêmeras. É por isso que não existe uma única peça de roupa capaz de preencher a sensação de um guarda-roupa completo.

Esse vazio sempre conviveu conosco.

Uma parte significativa da humanidade costumava preenchê-lo (e ainda há quem o faça) por meio da religião. A lógica por trás disso era simples: a vida é um teste. Os virtuosos seriam recompensados no paraíso, e então encontrariam a felicidade. Mas a própria vida não precisava ter graça, ela podia ser entediante.

No entanto, hoje nos distanciamos da religião. E o que surgiu em seu lugar? O consumismo.

Consumismo como sentido na vida

Vivemos em uma era que exige que aproveitemos a vida ao máximo, em busca da nossa melhor versão. Uma era repleta da cultura norte-americana, cercada pelo otimismo em relação à vida e pelos ideais de super-homens.

No entanto, às vezes, a melhor maneira de encontrar satisfação na vida é simplesmente não fazer nada. A melhor forma de apreciar o próximo jantar em um restaurante é deixar de ir a um restaurante hoje. A melhor maneira de desfrutar uma viagem é adiar a partida por um tempo (confesso que ainda preciso aprender essa última lição!).

“Eu trabalho para tirar férias.” Recentemente, assistindo a um reality show (um dos meus passatempos preferidos para os momentos de tédio) na Netflix, fiquei intrigada quando um dos participantes disse essa frase. Já a repeti tantas vezes. E continuo ouvindo essa mesma frase de tantas amigas.

E como bem disse outro filósofo, o Bauman, “as pessoas tendem a se orientar por aquilo que os outros ao seu redor fazem, desorientadas.”

Quando não temos respostas para questões complexas, recorremos ao senso comum. Se todo mundo está dizendo isso, então deve ser verdade. Trabalhamos para tirar férias. Trabalhamos para consumir.

O problema é que, enquanto a religião proporcionava uma explicação duradoura para toda a vida (precisamos morrer para chegar ao paraíso), o consumismo atribui um sentido à vida com um prazo mais limitado.

Ceder a todos os nossos desejos é ineficiente. Acabamos retornando ao tédio, mas com menos dinheiro e possivelmente presos em um trabalho que odiamos, apenas para pagar as contas.

Estou longe de acreditar que uma vida FIRE seja a solução para o tédio. Ela mal confere sentido à existência como um todo. Talvez, quando eu estava trabalhando, a meta FIRE me proporcionasse algum propósito. Mas assim que a alcancei, percebi que o tédio voltou a me acompanhar. A única vantagem dos adeptos do movimento FIRE em relação aos pobres mortais é que, pelo menos, eles experimentam apenas o tédio, enquanto a maioria está entediada e endividada.

Talvez a gente precise abraçar mais o tédio. Se permitir ficar de bobeira, sem fazer nada. Colocar uns limites na vida, deixar rolar mais devagar.

De quebra, é mais barato viver assim.

Tenho percebido que as frases mais sábias têm surgido do humor. Talvez porque a era do cancelamento não permita que as pessoas expressem verdades sem acrescentar um “brincadeirinha” logo em seguida. E uma dessas sabedorias veio de um episódio de Seinfeld.

Jerry e George estavam conversando no café de sempre, entediados, tentando compreender o sentido da vida. Eles chegaram à conclusão de que talvez o sentido da vida estivesse no casamento e na construção de uma família. Saíram do café decididos a pedir suas respectivas namoradas em casamento. Mas no caminho, Jerry encontrou Kramer e compartilhou sua brilhante ideia com ele. Foi então que Kramer disse algo que o fez desistir da ideia de casamento. George não teve a mesma sorte, rs.

A frase que Kramer pronunciou foi:

“Às vezes, a vida não faz sentido, Jerry. E sabe de uma coisa? Tudo bem! Às vezes, é preciso aceitar o absurdo e rir dele. É aí que a verdadeira diversão começa.”

17 respostas

  1. Olá, Lilian
    Saborosissima a leitura do teu texto, o tedio nos acompanhou durante nossa evolução como Homo Sapiens, nesses momentos fofocamos, inventamos, reforçamos laços sociais…
    A nossa vida moderna nos impulsiona a consumir e ser individualistas. O sentido da vida é ser indulgente, pelo menos para os pobres. Alguns ricos já focam em investir.
    Recomendo a leitura de Sapiens, do Harari.

  2. A moça que se aposentou aos 30 agora se diz entediada…
    Eu acho que está faltando um sentido na sua vida. Talvez fazer trabalho voluntario ou ajudar as pessoas no seu entorno, no seu bairro, ou talvez sua família…
    Impressionante como pessoas que poderiam fazer algo a mais só se preocupam com seu próprio umbigo.
    A conclusão que a autora tira do post é: “Talvez a gente precise abraçar mais o tédio. Se permitir ficar de bobeira, sem fazer nada”.
    Tanta gente precisando de ajuda. Ou se vc não gosta de gente, tem ONGs de proteção aos animais que devem aceitar trabalho voluntário. Ou poderia plantar arvores, participar de grupos de reciclagem, já que existe uma hype de “vamos combater o aquecimento global, etc”.
    No dia em que eu conseguir parar de trabalhar, por estar cheio de grana, como a autora se vangloria tanto, vou tentar fazer algo útil e não ficar de papo pro ar…

    1. quanta agressividade!
      A autora não tem obrigação nenhuma de prestar contas sobre como ela vive a própria vida, se ela faz trabalho voluntario ou não, ou como ela usa as horas do dia…
      E em nenhum post ela se vangloria de ter muito dinheiro. A frugalidade, de que trata o blog, filosofa justamente sobre o contrário disso, de que você não precisa de muito dinheiro para ser feliz.
      O mundo a cada dia parece uma competição para ver quem é mais produtivo, quem é mais eficiente, quem tem a casa mais luxuosa. Se permitir uns momentos de descanso e reflexão traz equilíbrio para a mente.

  3. Uma coisa que gosto no tédio é como o tempo aparentemente desacelera. Sabemos que o tempo é relativo, no sentido figurado – como experienciamos a vida, com momentos bons “voando” e partes ruins se arrastando – e no literal – tal como exemplificado na teoria da Relatividade, onde o tempo pode fluir de forma diferente a partir da interação com a gravidade de um buraco negro ou viajando próximo a velocidade da luz – então quando abraçamos o tédio, sentimos que a vida desacelera, os dias passam de forma mais morosa e surge uma oportunidade boa de realmente aproveitar o tempo, que é o objetivo final do FIRE, recomprar a liberdade de usar o tempo finito de nossa existência para usarmos da forma que mais for interessante.

    Fico louco da vida quando ouço alguém dizendo que não consegue ficar mais que 10 dias de férias pois sente tédio, como se houvesse uma obrigação de se estar sempre ocupado e produzindo algo. Existem tantas formas de aproveitar esse ócio e a pessoa não nota que está presa nesse loop infinito da vida moderna.

  4. Caramba, Lilian!! Que post maravilhoso. Engraçado você ter falado que mergulhou em entender a essência do tédio após a sessão da consultoria. Eu acho muito enriquecedor ouvir o que as pessoas têm a dizer e buscar a origem disso tudo. E perceber que provavelmente já pensamos parecido (ou não). Achei suas reflexões maravilhosas. E, como mãe, me preocupa ver que o tédio é cada vez menos presente. Nem propaganda é preciso esperar!

  5. Amo seu blog :) Engraçado que no inicio, já pensei em Modernidade Liquida pois acabamos de lê-lo no meu clube do livro. Ele fala muito de consumo, do que precisamos, de tédio…Q dificil viver nestes tempos de hoje e fazer diferente, ne? Obrigada pelo espaço, me sinto acolhida ao vir aqui! E já vou adotar este programa do Pondé, não costumava assistir e adoro ele.

  6. Que post delicioso! Eu lembrei de um livro que li há algumas semanas atrás – “Deuses Falsos”, de Timothy Keller. Sou evangélico, e esse é um livro cristão, que traz justamente essa perspectiva: a substituição de Deus (ou da religião) por outros “deuses”: dinheiro, sucesso, sexo, poder…

    Meu maior desafio hoje tem sido ser menos consumista. Beirando os 30 anos de idade, parte de mim precisa poupar e investir e parte de mim quer expressar com seus gastos que a vida “vai indo muito bem, obrigado”. Reflexões como essas me fazem refletir, e que logo essa reflexão vire ação. Um abraço!

    1. Que interessante esse livro LP. Ótimo nome. Realmente, deuses como dinheiro parecem mais reais.

      Já escrevi muito sobre consumismo aqui no blog. Em algum momento, vc vira a chavinha e o começa a ver o consumismo com outros olhos.
      Boa sorte!

  7. Eu amo ler seus posts. Fiz reflexões parecidas em um vídeo essa semana. Teremos um período de Vênus Retrograda no céu e dentre as temáticas que vamos precisar parar e sair do automático para refletir são a nossa relação com dinheiro, organização financeira, prazer na vida, lazer e divertimento. Temos muita dificuldade de viver o tédio, o ócio e o descanso em um mundo que valoriza tanto a produtividade e o consumismo.

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