Você banca seus gastos com beleza?

O ano era 2017 e eu trabalhava em um banco com um CEO popstar.

Dentro do prédio do escritório, havia um salão de beleza para facilitar a vida das mulheres.

Um belo dia fui lá fazer um serviço completo de pé e mão. Levei minhas havaianas para usar logo após pintar as unhas do pé e evitar que borrasse ao colocar o sapato. Um truque clássico que talvez os homens desconhecem.

Depois de pintar as unhas, a manicure perguntou se eu queria ajuda para colocar meu sapato. E eu disse “não, obrigada, eu vou de havaianas”. E então ela me repreendeu: “você não pode sair do salão de havaianas! Uma vez, o CEO pegou uma menina de havaianas no elevador e deu bronca no pessoal do salão. Disse que não era mais para permitir que as mulheres andassem pelo escritório de havaianas depois de pintar as unhas.”

No final das contas, o CEO popstar não era tão mente aberta assim.

Eu sei que dress code tem lá sua importância. Mas eu não sou sem noção. Eu não ia encontrar nenhum cliente nas próximas horas, eu ia voltar ao meu cubículo e trabalhar. Ninguém ia me ver de havaianas além dos meus colegas de trabalho que cruzassem meu caminho enquanto eu me deslocava do salão para a minha mesa.

Eu até tentei argumentar com a pedicure, mas ela me olhou com aquela cara de “não sou eu quem faço as regras” e desisti.

Liguei então para o meu chefe, dizendo que ia demorar uma meia hora a mais no almoço (sim, eu fazia as unhas no horário de almoço, engolindo um sanduíche rapidamente antes de voltar à minha mesa). Ele perguntou por que, e eu disse “porque preciso esperar minhas unhas secarem”. Eu tinha um chefe legal e ele não deu muita bola, disse que tudo bem.

Quando finalmente minhas unhas secaram e eu voltei à mesa, eu descobri que minha equipe tinha tomado uma decisão importante de trabalho enquanto eu estava ausente. Eu fiquei de fora porque estava fazendo as unhas.

Essa história patética é didática. Nós, mulheres, nos impomos uma rotina bizarra de cuidados com a beleza que tomam tempo e dinheiro. E o tempo e dinheiro que alocamos nisso são roubados de coisas que talvez sejam mais importantes para nós.

E o pior, esse tempo e dinheiro são economizados pela maioria dos homens. O que só amplia a desigualdade de gênero. A gente tem tripla jornada (trabalho, casa e beleza) e ainda gasta mais por isso.

A história que eu contei acima marcou o fim da imposição de fazer as unhas para mim. Desde então parei de fazer as unhas e minha mão nunca esteve tão bonita.

Parece contra intuitivo, mas não é. Quando eu fazia a unha toda semana, eu tirava as cutículas. Esse processo tirava a camada de proteção e em poucos dias eu estava cheia de pelinhas novas e espetadas crescendo. Sem contar que eu nunca tinha coragem de tirar o esmalte na primeira lascada, então isso significava que eu passava a maior parte da semana com o esmalte lascado.

Hoje não tiro mais as cutículas, e minhas unhas nunca estiveram tão belas. E elas estão constantemente com aquele aspecto de francesinha natural que eu sempre gostei!

Tudo isso com um plus: eu economizei uma boa grana deixando de fazer a unha nos últimos 6 anos.

Em 2017, eu gastava R$30 reais indo fazer manicure toda semana. E mais R$30 indo na pedicure a cada 15 dias. Um total de R$180 por mês. Considerando que eu deixei de gastar esse dinheiro e o investi, hoje posso dizer que estou R$16 mil mais rica.

Se eu viver até os 100 anos (minha meta de vida) isso vai representar uma economia de mais de R$2,5 milhões. Você leu certo, é uma economia de MILHÕES. Sim, chocante.

Independente e bela

Examinar de perto cada despesa recorrente é uma parte necessária e inevitável do caminho para independência financeira. E sei que o gasto com “beleza” pode ser uma pedra no caminho.

Mas antes de começar a olhar para os gastos, acho importante dar um passo atrás.

Existe sim uma indústria gigante de beleza, que fatura bilhões explorando a insegurança das mulheres com a sua aparência. E sob essa ótica, fica difícil não dar razão às feministas que argumentam que manter as mulheres ocupadas com o babyliss tira um pouco o foco de mudar o status quo tão favorável aos homens. Essa última abordagem é difundida no famoso livro O Mito da Beleza.

Porém, a vaidade feminina é um tema complexo e eu sei que algumas mulheres melhoram sua autoestima graças aos procedimentos de beleza e estéticos.

Talvez algumas mulheres até mesmo tenham conseguido um lugar de aceitação melhor na sociedade com o alisamento de cabelo, dado que nosso ideal de beleza feminina é eurocêntrico. Hoje até vejo mulheres adotando formas mais diversas de beleza e aplaudo isso. Mas sei que mesmo pintar o cabelo de cores coloridas tem seu custo, e é alto.

Isso sem contar o grande número de mães que eu conheço que usam seu horário no salão como um oásis fora do caos de casa com crianças pequenas!

Então eu já fui mais radical quando o assunto é beleza. Já passei anos sem usar uma gota de maquiagem e sem comprar cosméticos. Mas hoje me encontro mais em um meio-termo. Não consigo assumir meus fios de cabelos brancos, uso maquiagem quando estou afim e gosto da rotina noturna de passar cremes antirrugas (mesmo sabendo que estudos apontam que esses cremes fazem mais mal do que bem à pele).

Mas talvez o ponto a ressaltar aqui é saber qual parte dessa indústria gigantesca de beleza cabe a você.

Vamos reconhecer que existe sim uma pressão cultural para se manter bela, mas isso não significa que você é forçada a adotar esses procedimentos. Você não é obrigada a usar maquiagem, a parecer mais jovem ou pintar as unhas toda semana para ser bela.

E é importante saber o seu limite. Muitas mulheres que não souberam impor um limite aos procedimentos estéticos acabaram ficando feias. É paradoxal, mas tão comum que, ao ler essa frase, você provavelmente pensou em alguma atriz famosa que exagerou nos procedimentos e hoje mais causa susto do que admiração quando uma foto sua é publicada.

Uma forma de começar a impor os seus limites é ir às contas. Então vamos lá.

Levando a beleza em conta

Mesmo que você seja uma mulher que curte a sua rotina de beleza, você não pode ignorar que elas atrapalham os seus objetivos financeiros de longo prazo. Então é importante saber se você pode bancar esses gastos ou se eles vão atrasar muito a sua tão sonhada conquista da independência financeira.

O primeiro passo é listar todas as despesas que estão relacionadas com a manutenção da sua aparência. Aqui deve entrar desde o shampoo mais caro que você depende por conta do seu cabelo rebelde, até o gasto com profissionais que te ajudam a ficar mais bela.

Em seguida, você deve avaliar a frequência desses gastos. Alguns são semanais, outros mensais, outros a cada 3 meses. Ah, e não esqueça de listar também o seu gasto com cabeleireiro cada vez que você é convidada para uma festa de casamento.

E então faça a conta de quanto você gasta por ano com cada procedimento. Essa etapa é super importante porque a manicure toda semana que custa apenas R$30 pode pesar bem mais do que o corte de cabelo que você faz apenas 2 vezes ao ano.

Depois, calcule o quanto isso representa do seu orçamento anual. É legal perceber quanto cada item pesa no seu orçamento. Alguns vão pesar muito mais que os outros.

E é aqui que a graça acontece.

Quando você calcula a porcentagem que você gasta para ficar bela, você consegue calcular quantos anos a mais terá que trabalhar para conseguir continuar arcando com esses gastos na aposentadoria.

Lembre-se da regra dos 4%: quer gastar R$10 mil por ano com beleza, então você precisa de R$250 mil na aposentadoria (25 x R$10 mil) só para manter esses gastos. Quantos anos você precisa trabalhar para conseguir juntar mais R$250 mil?

Meu processo de bela para independente AND bela

Na época que eu escrevia para o Sempre Sábado, eu calculava quanto eu costumava gastar por ano com itens como beleza. Aqui vai:

  • Manicure toda semana: R$1.560 por ano;
  • Pedicure a cada 15 dias: R$780 por ano;
  • Corte de cabelo 3 vezes por ano: R$300 por ano;
  • Progressiva duas vezes por ano: R$600 por ano;
  • Pintar o cabelo todo mês: R$960 por ano;
  • Sobrancelha todo mês: R$480 por ano;
  • Cosméticos antirrugas: R$480 por ano;
  • Shampoo Kerastase: R$600 por ano;
    TOTAL: R$5.760 por ano

Meu orçamento de gastos totais no ano era de R$60 mil, então meu gasto com beleza representava 10% do meu orçamento. Isso significava que eu precisaria trabalhar mais 10 anos só para arcar com esses custos de beleza.

Essa conta foi um divisor de águas para mim. Eu eliminei a maior parte desses custos ou substituí por itens mais em conta. Com exceção dos cosméticos antirrugas.

Depois da minha epifania no episódio das havaianas, eu me dei conta de que passar um dia no salão de beleza não era minha ideia de lazer.

Um dia uma amiga chegou com um corte de cabelo novo, eu elogiei e ela falou “eu mesma cortei, aprendi no YouTube!”. No mesmo dia eu aprendi e cortei o meu também. Sim, eu corto meu próprio cabelo para o espanto de muita gente!

De bônus, aprendi a limpar a minha sobrancelha, a pintar meus cabelos (não tenho tanto amor próprio assim a ponto de assumir meus fios brancos), e como não consegui aprender a fazer escova progressiva, abandonei e assumi o cabelo rebelde. Com mais alguns vídeos no YouTube, aprendi que meu cabelo rebelde só precisava de uma técnica diferente de lavagem. E hoje não tenho progressiva e meu cabelo é elogiado por aí.

Uma amiga um dia me repreendeu dizendo que “não era o meu lugar de fala” criticar o uso de Botox, porque eu tenho a sorte de ter 35 anos e não ter rugas ainda. Eu entendi o alerta como uma espécie de elogio, mas também como um lembrete de que cada um é cada um, e não cabe a mim julgar as suas escolhas.

Mas será que você tem consciência do que está escolhendo e o custo dessas escolhas? Será que saber o custo delas aumenta ou diminui a sua importância?

Mais uma vez: a ideia desse processo não é abandonar todos os padrões estéticos de uma vez, mas sim avaliar aos poucos.

O procedimento acima tem um objetivo simples: calcular o quanto você precisa entregar de anos de trabalho para manter a sua rotina de beleza atual.

A gente esquece de um conceito básico sobre dinheiro: quando você trabalha por ele, você está trocando sua energia de vida por serviços e bens. Portanto, é indispensável que você tenha consciência de como as suas escolhas impactam a sua vida no longo prazo.

Procedendo assim, você não sai da corrida de ratos da beleza e se permite fazer apenas aquilo que importa a você, e não baseada num padrão estético que você julga ser imprescindível.

Não é mais libertador viver assim?

11 respostas

  1. Interessante seu post, aposentada, mas e depilação?
    Não vai me dizer que vc tem uma “floresta amazônica” porque isso atrapalharia a sua “tão sonhada conquista da independência financeira”.
    Fiquei imaginando agora a moça na praia de biquíni, com uns tufinhos saindo de lado… tipo a Claudia Ohana…
    não apague esse post como vc fez. não tem ofensa nem nada ilegal como preconceito, incitação a crime.. censura é sempre deplorável

    1. engraçadinho vc hein?
      Pra quem não entendeu essa menção a claudia ohana, ela posou na playboy nos anos 80 (faz uns 40 anos!) com “uns pelos a mais” e se tornou um sinonimo de “depilação atrasada” podemos dizer..
      Só mostra como as mulheres se veem obrigadas a seguir um padrão de beleza ocidenta, magra, pele bonita, sem pelos, cabelo e unha impecaveis, etc.

      1. é verdade.
        nós da geração z, modestia a parte, rs, estamos mudando esses paradigmas: somos menos homofobicos, temos cabelos curtos ou de varias cores, não temos apego a carro ou imovel proprio (geraçao z mora alugado e gosta disso, se traz praticidade).
        vários outros ex poderiam ser citados.
        A sociedade vai evoluindo, para o bem e para o mal. por ex, surgem uns haters na internet, mas é um problema que sempre haverá, tem gente boa e gente ruim em toda cidade, em todo bairro…

  2. Tema superinteressante! Bem, tenho 35 anos e tento ao máximo minimizar a pressão da indústria da beleza sobre mim de algumas formas:
    1.faço minhas unhas (nunca gostei de fazer em salão pq além de caro, me machucavam demais, então resolvi aprender a pintar);
    2. maquiagem pesada só para festas e casamentos (batom e rímel são ok pra mim no dia a dia);
    3. nada de química no cabelo (além de oferecem risco à minha saúde, me tornariam escrava de salão, algo que não quero pq realmente tempo e dinheiro que se gastam ali pra mim sempre foi um absurdo);
    4. não cedo às tentações do que está na moda, que mudam a cada semana praticamente.
    A única coisa que não deixo de fazer é depilação, eu realmente não consigo dispensar isso.
    Sempre penso no tempo e dinheiro que simplesmente desperdiçamos só pra se encaixar em padrão de beleza x ou tendência y. É cruel demais conosco, mas cada uma é livre pra fazer suas escolhas, embora muita gente nunca refletiu profundamente sobre.
    Com o advento das redes sociais e o surgimento dos tais “influencers” vejo cada vez mais escravos de procedimentos, últimas tendências de tudo…e pessoas cada vez mais jovens, fazendo tais influencers cada vez mais ricos enquanto as pessoas se tornam escravas do que não precisam.
    Descobri o blog essa semana e foi uma boa surpresa! Estou lendo todos os posts e retomando o projeto de ter uma reserva boa de grana pra aproveitar a vida melhor. Grande abraço.

    1. Oi Natacha!

      Bem-vinda ao blog, e obrigada pelo comentário super detalhado!

      Você tocou num ponto super importante: a gente tme que impor nosso limite para não virarmos “escravas” dos procedimentos!
      Porque é isso mesmo.
      Enquanto eu gastava 10% do meu orçamento com beleza, eu estava trabalhando 1,2 meses no ano só pra pagar isso.
      Era uma loucura!
      Esse gasto não ia para o meu futuro, alguns nem levantam meu bem-estar e a grande maioria tinha um efeito de curto prazo.
      Foi muito importante esse exercício pra mim.
      Desde então estou com uma postura parecida com a sua. Quando uma amiga comenta que tentou um novo procedimento estético, eu já penso “mais uma moda que não vou nem me preocupar em entrar!”.
      Isso com certeza livrou meu tempo e dinheiro para coisas mais importantes para mim!

  3. A verdade é que o mercado de trabalho é bem cruel com as mulheres né, vi num vídeo de uma palestra, que mulheres que não se maqueiam tem menores chances de promoção (falaram uma porcentagem mas não me lembro), também são menos levadas a sério… Sou uma pessoa que não consigo gastar tempo me maquiando, e acho sim que isso de alguma forma já me “desvalorizou” no ambiente de trabalho (já ouvi, tá com cara de doente). Ainda estou longe de ser FIRE então a não ser que decida virar autonoma, acredito que precisamos um pouco de beleza na vida profissional…
    Ah achei o link de uma reportagem sobre isso:
    https://exame.com/ciencia/mulheres-que-usam-maquiagem-ganham-mais/

    1. É Glaucia, você tem razão!
      Esse é um ótimo ponto. A gente não pode ignorar que vivemos numa sociedade de aparências.
      E sim, parecer ainda é muito importante. Ainda mais quando você precisa vender sua imagem, como no mercado de trabalho.
      Mas acho que dá pra achar um equilíbrio aí. Usar alguma maquiagem, fazer alguns procedimentos que aumentam a auto-estima (tipo eu pintando meus cabelos brancos!). Só acho que não dá pra cair na armadilha de querer fazer TUDO!

  4. Amei sua reflexão. Sempre me lembro de você nos ensinando a selecionar os gastos/ investimentos que são importantes e fazem sentido para nós. E acho que ter consciência desses gastos com beleza com certeza vão nos ajudar a fazer escolhas mais conscientes nesse processo!

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