Minha vida financeira

Nem sempre minha vida financeira foi estável. Minha relação com o dinheiro começou bem na infância, até que eu aprendi a comprar status social na adolescência, e entrei na vida adulta gastando 100% do meu salário. Foi só quando eu passei a ter como meta me aposentar mais cedo que eu adotei o estilo de vida frugal e fiquei fissurada em como gastar menos. Então eu aprendi que dinheiro não traz felicidade, mas se eu fizesse ele trabalhar por mim, aí sim eu poderia ser feliz.

Meu primeiro investimento

Quando eu era pequena, meu pai me ensinou a arte de juntar dinheiro. Talvez eu não tenha compreendido a real importância com 8 anos de idade, mas ele era meu herói e eu aceitava seus ensinamentos sem questionar. E foi um ótimo ensinamento. Lembro até hoje das minhas escolhas pelo lanche mais barato na escola para poder juntar dinheiro por mês.

Quando eu juntei uma boa quantia, eu fiz meu primeiro investimento. Outro ensinamento valioso do meu pai foi que comprar dólar era um bom investimento. Na época, a cotação do dólar era R$1,80, e meu pai me prometeu que se eu conseguisse juntar R$180 reais, ele o trocaria por $100 dólares. E assim fiz meu primeiro investimento em um ativo pouco líquido, dado que eu não podia comprar nada no Brasil com aquelas notas.  Ele se empenhou em me mostrar a importância desse primeiro investimento, trocando por 100 notas de $1 dólar. Eu me senti rica com uma quantidade tão grande de notas nas mãos. Foi fofo da parte dele. 

Entrando pro jogo do status

Infelizmente minha fase de investidora mirim foi interrompida na adolescência. A condição financeira da minha família começou a melhorar, eu comecei a frequentar um colégio mais elitista, e consequentemente, passei a ter amigos com pais ricos. E então eu entrei para o famoso jogo de comprar status. Tênis da moda, calça jeans da moda, bolsa da moda. Rapidamente incorporei que o mais importante era parecer rica e que eu precisava dessas coisas para ser aceita.

A coisa toda piorou quando eu entrei na faculdade. Passei no vestibular de uma faculdade ainda mais elitista, e fui apresentada ao mercado de luxo. Bolsas de luxo, sapatos de luxo, roupas de luxo. Comecei a viajar para os Estados Unidos e cada viagem representava uma oportunidade única de comprar para parecer rica. Era impossível ir aos EUA e não comprar óculos de sol novos, um tênis novo e um perfume novo. Mesmo que o perfume comprado na última viagem ainda estivesse na metade, minha mentalidade de escassez dizia “se o meu acabar e eu tiver que comprar no Brasil, vai sair mais caro”. Como se eu nunca mais fosse voltar para a terra do Tio Sam, o que não acontecia. Era exaustivo!

Em algum momento dessas viagens eu gastei os $100 dólares que eu tinha investido na infância. O curioso é que eu lembro muito bem de quando conquistei os $100 dólares aos 8 anos de idade, mas não consigo lembrar do que eu comprei com eles. Mas consumo costuma ser assim, marca a gente temporariamente. Já os investimentos a gente lembra para sempre.

Minha farra consumista era bancada pelo meu pai, que me dava uma mesada fixa e um cartão de crédito com limite. Eu podia ter poupado a mesada que meu pai me dava, mas naquela época eu preferia gastar tudo. A mesada era generosa e o limite do cartão de crédito também. Agora penso que essa deve ter sido uma fase difícil para o meu pai, que tinha me ensinado tão bem durante a infância. Mas quem passa pela fase da adolescência sem questionar o que seus pais te ensinaram na infância?     

Fim da fase consumista

Por sorte, a fase consumista passou quando eu fui fazer um mestrado em uma faculdade pública. Lá eu voltei a conviver com pessoas de origens humildes, com gastos bem mais controlados que o meu. E fui percebendo que eu admirava aquelas pessoas tanto quanto os meus colegas ricos de faculdade. O ano era 2010 e a gente recebia uma bolsa de estudos de R$1,2mil. E uma das minhas colegas do mestrado pagava aluguel e todos os demais custos de vida dela com isso, e ainda sobrava algum dinheiro que ela mandava para a família. A garra dessa minha colega sempre me fez morder a língua antes de reclamar do valor baixo da bolsa de estudos. Aquele valor era uma fortuna para quem morava com os pais ainda, como eu. 

Até que a vida adulta chegou e eu fui morar sozinha. Comecei a trabalhar do outro lado da cidade e não aguentava mais o trânsito diário. Preferi dar adeus às contas pagas pelo papai, e me bancar sozinha.

Ao invés de viver de aluguel, eu optei por comprar meu primeiro imóvel. O meu trabalho estava numa das regiões mais valorizadas de São Paulo e eu só conseguiria alugar um apartamento caindo aos pedaços. Comecei a avaliar a possibilidade de pegar um financiamento e utilizar o meu FGTS como entrada para comprar um desses apartamentos prejudicados. E usaria uma parte das minhas economias para reformá-lo e deixá-lo confortável. A parcela do financiamento ia ser quase 50% do meu salário, mas pensei “esse salário vai crescer, afinal, os salários sempre crescem”. Sem pensar muito, nem calcular muito, eu comprei meu apartamento.

A compra do apartamento quase foi um fracasso. A reforma acabou consumindo todo dinheiro que eu tinha guardado, e as despesas com a casa começaram a ser muito maiores do que eu planejava. Eu estava consumindo 100% do meu salário, estava endividada, e não tinha nada de poupança. Se eu ficasse desempregada, não sobreviveria nem um mês com os meus gastos e teria que voltar a morar na casa do meu pai, com a sensação de que a compra do meu apartamento foi um fracasso.

E foi nesse momento que eu conheci o Mr Money Mustache e aprendi sobre um estilo de vida frugal. A primeira coisa que eu pensei é que seria impossível poupar 70% do seu salário e conseguir me aposentar aos 30 anos de idade. A matemática por trás das contas da aposentadoria antecipada parecia simples. Mas eu não conseguia imaginar como viver com apenas 30% da minha renda mensal!

Adotando o estilo de vida frugal

Eu fiquei fascinada com a filosofia de vida do MMM. Comecei com o corte de gastos mais simples, mas fui evoluindo. Vendi meu carro e passei a ir a pé para o trabalho. O valor da venda me deu uma folga financeira e reduziu meus gastos mensais com o corte de contas como IPVA, seguro, gasolina e estacionamento. Cancelei minha assinatura de TV a cabo, meu plano na academia, e pedi para minha diarista vir a cada duas semanas ao invés de toda semana. Me propus ao desafio de ficar 1 ano sem comprar nada e fiquei fascinada pelo estilo minimalismo.

Conforme eu ia cortando os gastos, meus investimentos iam aumentando e minha aposentadoria ficava cada vez mais próxima. A sensação era muito boa. E eu estava realmente curtindo o estilo de vida frugal. Percebi que a vida poderia ser muito mais simples, e que a vida simples me fazia feliz. Em poucos anos eu já estava poupando 50% da minha renda. Meu salário subiu e como eu já estava contente com meu nível de gastos, passei a poupar 70% do meu salário. Eu finalmente entendi como alguém pode viver com 30% da renda.

Hoje tenho uma relação muito única com o meu dinheiro. Eu cuido para que ele nunca acabe, e ele trabalha por mim. Sou consciente de que cada dinheiro que eu tenho no banco representa minha energia de vida consumida enquanto eu trabalhava. A independência financeira é a minha prioridade. Agora que eu sei tudo que ela me proporciona, eu não quero abrir mão dela.

Eu gosto da ideia de que uma vida confortável nos deixa fracos. Essa ideia veio da filosofia estóica que prega que um pouco de dificuldade no dia a dia nos torna mais fortes para encarar uma dificuldade real quando ela chegar (e elas sempre chegam). Então quando eu vou de bicicleta para um compromisso, eu fico realmente feliz de não ceder a comodidade de um Uber. Tem gente que vê como uma vida de privação, eu vejo como resiliência.

Sei que estou falando muito sobre mim nesses primeiros posts, mas estamos nos conhecendo ainda. Prometo publicar textos mais práticos nos próximos posts. Mas escrever sobre a minha vida financeira foi um exercício de autoconhecimento interessante. Então não fique inibido e comente abaixo: como tem sido a sua vida financeira até então?

10 respostas

  1. Olá, aposentada! Cheguei ao seu blog através do twitter do AA40 e estou adorando! Hoje tenho 33 anos e pretendo ser independente financeiramente no máximo aos 40. Entretanto, cometi o erro financeiro (hoje vejo assim) do financiamento… durante a reclusão da pandemia, me brilhou os olhos a ideia de morar numa casa, e hoje eu e meu marido moramos numa casa super confortável – financiada com juros de 8%aa. Eu amo essa casa, mas não consigo me desviar do pensamento de ter feito errado. Me “consolo” pensando que amo mesmo essa casa, e que passo a maior parte da vida nela (trabalho em home office 4x/semana e meu marido tbm).
    Como vc lidou com seu financiamento quando começou a poupar para a aposentadoria?

    1. Oi Pri!
      Parabéns!!! Mais 7 anos e você chega lá! Fantástico!

      Sabia que eu tenho esse financiamento até hoje? Com juros de 8%, eu não me preocuparia de quitar logo esse financiamento. Ainda mais se você conseguir usar o seu FGTS. Eu escrevi mais sobre isso nesse post: https://aposentadaaostrinta.com.br/nude-dos-investimentos-da-aposentada-parte-3/

      A gente vai cometer alguns erros sim. Mas acho que comprar um imóvel não é dos piores. Se for um local que vocês se veem morando por um bom tempo e se ele não afeta a busca da IF, não é um erro grave!
      E é sempre possível que você venda essa casa com lucro.
      Eu moro em um apartamento pequeno porque foi uma decisão que fez sentido para mim. Mas não acho que existe uma fórmula fechada para atingir a IF. É possível chegar lá de outras formas! Então se perdoe quanto a compra dessa casa!

  2. Olá, achei muito legal seu relato. Eu ainda sou consumista. Ainda busco refugio em compras sem pensar e sempre acho que no próximo salário eu vou começar. Mas não começo. Mas ao mesmo tempo eu quero ser melhor, quero agregar pro meu futuro. Já estou com 33, e não tenho muito tempo a perder. Mas ainda sigo lutando…

    1. Oi Anon!

      O trabalho para uma vida financeira é um trabalho psicológico. Tente entender melhor porque você está tão preso ao consumismo. Consumir te deixa mais feliz do que ter uma tranquilidade financeira? Já tentou se imaginar com uma vida financeira mais saudável?
      Eu falo muito sobre essa questão psicológica aqui: Consumo é alegria temporária
      Espero que ajude!

  3. Muito legal Elsa. Bem vinda de volta a Firesfera. Legal o relato e aguardando ansioso os posts sobre o pós-FIRE. Acho que está todo mundo muito curioso para saber como é, o que faz, como andam as contas e a renda, etc. Abcs

  4. Estou curtindo muito ler seus depoimentos. Estou no meu processo de acumulação de patrimônio para também me aposentar daqui alguns anos.

    Sempre fui frugal e com tendências minimalistas, mas creio que eram estratégias inatas devido ao medo da escassez do dinheiro como consequência de uma infância mais humilde.

    Quando passei a ter um salário melhor, mas ainda dentro da faixa da média do brasileiro médio, já entendia que a poupança seria fundamental. Como a minha infância e adolescência foram muito simples, tendo o básico, nunca foi sacrifício economizar e gastar o mínimo para me proporcionar o que considero qualidade de vida decente dentro do meu contexto de vida.

    Tenho conseguido economizar uma média de 60 a 70% da minha renda nos últimos anos, sem deixar de fazer viagens e consumir o que é importante para mim. Obviamente faço um ‘sacrifício’ aqui e ali, mas tenho muito claro em minha mente o porquê de cada decisão tomada – o meu futuro é muito mais precioso.

    Ainda não tenho clareza se adotarei uma aposentadoria total daqui a alguns anos porque eu gosto muito do que faço (e também não acredito que eu seria feliz sem ter propósitos).

    Tenho curiosidade de saber um pouco mais sobre sua rotina nessa sua etapa de vida.

    1. Oi Thiago!

      Obrigada pelo seu comentário e fico feliz que esteja gostando de ler meus relatos.

      A busca por independência financeira pode parecer um pouco solitária ás vezes, então fico muito feliz quando encontro pessoas que pensam de forma parecido à minha!

      Parabéns por já poupar 60-70% da sua renda. Pela sua história, você parece já saber o que realmente importa quando o assunto é consumo. E não ficou deslumbrado quando a renda subiu, e virou gastão!

      Sim, ter propósito é muito importante para gente ter qualidade de vida. Qualquer estudo sobre felicidade já identificou que trabalhar por um propósito é a chave de uma vida mais contente. No meu caso eu não via mais propósito na vida corporativa, então virou só um emprego que me gerava renda. Nada legal.

      A minha rotina de aposentada é o tema do meu próximo post :) então aguardo você de voltar para gente continuar esse papo!

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