Eu tenho muitos medos como investidora.
Eu tenho medo do Brasil “dar errado” e o dólar disparar, prejudicando meus investimentos em reais. Eu tenho medo do governo dar um calote no Tesouro Direto. Eu tenho medo de uma crise bancária generalizada que estoure os limites do FGC. Eu tenho medo de que o S&P esteja no meio de uma bolha e que em breve vai ter uma correção de 50%, como em 2008.
E tenho medos conflitantes com os medos acima. Eu tenho medo do Brasil “dar certo” e o dólar voltar para 3, prejudicando meus investimentos em dólar. Eu tenho medo de não aproveitar as taxas excelentes que o Tesouro Direto está oferecendo para prazos bem longos. Eu tenho medo de não investir além dos limites do FGC e aproveitar as taxas ainda melhores dos CDBs. E tenho medo de vender meus investimentos no S&P e perder o próximo rally.
A sensação é bem do tipo “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”.
O problema é que eu vejo muitas pessoas que acabam se tornando investidores ruins por medo. Em alguns casos, o medo pode ser tão limitante que a pessoa prefere manter seu dinheiro na poupança, mesmo sabendo que isso pode significar uma vida financeira pobre.
A diferença entre medo e paranoia
Sentir medo faz parte da natureza animal. Mas o medo toma uma dimensão diferente em nós seres humanos. A gente não tem medo apenas do meio ambiente externo. O nosso ambiente interno, composto por nossas ideias, imaginações e memórias, também se torna uma fonte de medo.
Por exemplo, nós brasileiros morremos de medo do país virar uma Argentina. O nosso ambiente externo, o país, ainda está bem distante disso. Mas nosso ambiente interno permite que a gente realmente idealize uma situação parecida com a dos argentinos.
Quem nunca ficou olhando perplexo para o gráfico da cotação dólar vs peso argentino? Eu já passei horas vendo como o peso perdeu valor em poucos anos. E fico imaginando a alegria do argentino que percebeu que o melhor a fazer era comprar dólar a 5, e o desespero do argentino que deixou para comprar dólar a 200. Em meio a minha imaginação de viver uma situação parecida, a vontade é de dolarizar todo meu patrimônio.
Mas eu estaria agindo por medo ou por paranoia?
Recentemente descobri o programa Linhas Cruzadas, com o filósofo Pondé. Pesquisando sobre filósofos franceses para entender melhor o ambiente que estou vivendo, me deparei com um filósofo brasileiro admirável. E ele traz uma definição de paranoia interessante no episódio A era do medo.
No centro da paranoia está o indivíduo, e não o ambiente em que ele vive. E a paranoia só é possível ser sentida por um indivíduo com excesso de conhecimento, ainda que esse conhecimento seja enviesado. E piora porque ele acha que só ele sabe, só ele percebe o risco que estamos correndo enquanto os outros seguem vivendo.
Se eu não conhecesse a trajetória da Argentina, talvez eu não sentisse tanto medo de investir no Brasil. Assim como se eu não conhecesse o histórico de drawdowns do S&P. É a famosa ignorância que nos protege.
Por outro lado, é óbvio que não reconhecer os riscos externos te deixa vulnerável a riscos reais.
Mas a ideia de que é possível deter o conhecimento absoluto é irreal. A gente não vai saber de tudo, e atingir um grau de conhecimento que permita que a gente sempre antecipe tudo. Isso é uma idealização que só acentua nossos medos, e não nos protege.
Então como contornar?
No final do episódio, o Pondé traz uma solução interessante para o dilema. Reconheça seus medos concretos. Em geral, os medos bons são os que estão relacionados à nossa sobrevivência. Os medos ruins são aqueles que manipulam a gente. E parafraseando o Pondé a gente deve “pensar nos problemas partindo do pressuposto de que esses grandes temas não têm solução.” E eu não pude deixar de lembrar da filosofia estóica que prega que a gente tem de reconhecer o que está no nosso controle e o que não está no nosso controle.
E o que isso tem a ver com finanças?
Como sair da paranóia e reduzir seus medos como investidor
O meu medo concreto é da morte. É o medo de perder todo meu patrimônio de forma que eu não tenha mais o mínimo para garantir a minha sobrevivência.
Mas eu não consigo controlar o futuro do meu país. Muito menos o futuro do S&P. Isso é paranoia.
Ainda assim, existem algumas coisas que eu posso controlar para reduzir meu medo de sobrevivência.
Eu controlo a diversificação da minha carteira. Como não sei se o dólar vai para 7 ou para 3 nos próximos anos, eu mantenho investimentos em ambas as moedas. Como eu não sei se uma crise bancária generalizada no Brasil é possível, eu respeito os limites do FGC e invisto o restante da minha parcela destinada a renda fixa no Tesouro Direto.
Eu controlo o custo da minha carteira. Eu não sei se o S&P está no meio de uma bolha ou prestes a atingir um novo pico. Mas não estou sozinha nessa incerteza. Estou acompanhada por 95% de profissionais que não acertaram o movimento do S&P nos últimos 15 anos.
Eu entendo a tentação de pagar para um profissional qualificado 2% ao ano para que ele tente acertar os movimentos do mercado. Mas como 95% deles não antecipam os movimentos do mercado, pagar 2% de taxa de administração para um fundo ativo provavelmente só vai te deixar 2% mais pobre todo ano. O melhor é pagar 0,07% por um ETF passivo.
Eu também controlo o quanto eu pago de imposto. Eu sei que tem gente que acha loucura investir no Tesouro IPCA 2045 porque o Brasil é um país muito incerto. E sim, ele é. Mas investir apenas em prazos mais curtos pode significar perder 20% da sua rentabilidade para pagamentos de imposto de renda.
Cada vez que um título de renda fixa vence, ele recolhe imposto de renda (obviamente com exceção dos títulos isentos). E quanto mais você antecipa de pagamento de IR, menos dinheiro você tem para trabalhar para você. Por exemplo, um investimento com vencimento em 21 anos vai render 20% a mais do que um investimento que vence a cada 7 anos (e pagar 15% de IR) por um período de 21 anos.
O melhor que eu posso fazer como investidora é diversificar meus investimentos, minimizar os custos e o pagamento de impostos. Todo o resto está fora do meu controle. Todo o resto deixa de ser medo, e passa a ser paranoia.
Respostas de 15
Gosto muito de seus textos!
Eu acho que o medo é de forma geral saudável porque minimiza os riscos: temos medo de altura, então evitamos estas situações em que há risco de queda. Mas quando o medo é tão excessivo que te paraliza talvez seja patológico (tudo em excesso é prejudicial: beber água é saudável, mas é possível uma pessoa morrer se ingerir tanto liquido que cause um desequilíbrio eletrolítico).
Eu sempre tive medo de assaltos e violencia. Uma noite eu iria para um evento de que gostava muito, e quando fui sair, vi que havia um carro com vidros escuros estacionado na frente de casa. Na minha cabeça começou a surgir a duvida: e se for um ladrão e me assaltar? Fiquei esperando o carro sair, mas não saiu. Não fui no evento.
Depois fiquei pensando que era bem mais provável que não acontecesse nada, prov não havia ninguém no carro e era só mais um carro com vidros escuros… Achei que devia fazer algo a respeito de ter medo de violência, e entrei num curso de defesa pessoal.
Nunca mais tive esse medo paralizante, embora saiba que não estou imune a violência. Me deu mais autoconfiança e auto-estima, e é um ótimo exercício… é quase aquela história, há males que vem para o bem!
Oi Debora!
Eu adorei seu ideia de fazer um curso de defesa pessoal. Eu já tive algumas aulas, e também me sinto mais segura para andar na rua depois delas. Parabéns pela inciativa. Acho fantástico quando a gente usa a inteligência para amenizar nossos problemas ao invés de nos sentirmos reféns da vida!
Olá! Não curte criptomoedas? Não entendi direito por que o investimento no TD de títulos com vencimento mais recentes pagariam mais impostos do que aqueles com vencimento mais longo, poderia explicar melhor por favor!?
Oi Saci!
Não curto criptmoedas. É pelo mesmo motivo que eu não invisto em ouro, eu só invisto em ativos que geram renda ;)
Sobre o IR, vou fazer um post sobre isso. Mas se você pesquisar sobre o problema de come-cotas com fundos, vai ver uns gráficos bem legais mostrando o problema de antecipar pagamento de IR!
Sim mas nao adianta .Quem tem medo na cabeça nao tem como mudar. É do próprio eu. O jeito é adaptar a alocação para conseguir dormir bem a noite.
No final os otimistas se dao bem e os pessimistas geralmente perdem….mas tudo pode mudar com uma bomba atômica..vai se saber oq o futuro nos reserva
Hahaha, se vir uma bomba atômica, nossos problemas serão outros!
“Em geral, os medos bons são os que estão relacionados à nossa sobrevivência. Os medos ruins são aqueles que manipulam a gente.”
Que frase fantástica! Quero levá-la sempre comigo, pois passei a vida dando muita atenção aos medos ruins.
Preciso aprender a controlar o que está no meu escopo de atuação – como você exemplificou em relação a diversificação dos investimentos, apesar da tendência de querer controlar mais.
Abraços,
É uma reflexão difícil. Não acho que seja ruim ser paranóico, mas é exaustivo.
Qdo comecei, era fácil ter apetite ao risco, hj eu tento me convencer que as projeções vão convergir em uma média, e que a matemática no final vai fechar.
A paranóia, porém, é que o erro só vai ser aparente em X anos depois de “aposentado”, daí no risco de precisar voltar pra normalidade, lá vai mais um ano pra fazer patrimônio e renda.
Mas uma hora vai, haha.
Eu acho que entres erros e acertos, é bem isso que vc falou, vai convergir para uma média razoável.
Mas não abraçar a independência financeira por medo, aí eu acho paranóia!
Você pode estar perdendo tempo precioso de vida preso a um emprego ruim por puro medo… aí a conta não fecha!
Conseguiu descrever muito bem cada um dos nossos medos/receios/paranoias :)
Conforme você apontou no final, acredito que só a DIVERSIFICAÇÃO salva o investidor. Enquanto não pudermos prever o futuro é só isso que irá reduzir os danos daquilo que der errado (já que algo sempre vai dar).
Abs!
Diversificação é o que mais ajuda na paz de espírito!
Excelente reflexão! Sobre todos esses medos, você não tem medo de ficar de fora de um boom de criptos?(algo na linha de um possível colapso do dólar como moeda mundial). Acho interessante cobrir esse medo com uma fatia pequena da carteira alocada nessa classe, embora entenda a falta de valor intrínseco associada.
Abs,
o colapso do dólar daria lugar a uma outra moeda ESTATAL, pois a moeda no capitalismo é um bem PÚBLICO, não privado, e não existe capitalismo sem Estado… em uma situação em que nenhuma moeda estatal entraria no lugar do dólar, é o mesmo que dizer que haveria um colapso do capitalismo e consequentemente dos Estados que o sustentam e do próprio mercado financeiro (que é o protagonista nessa etapa do desenvolvimento capitalista em que nos encontramos), muito provavelmente ter ou não cripto (ou qualquer outro ativo privado fictício do mercado financeiro) faria nenhuma diferença, visto que em situações de ruptura sistêmica o que prevalece é o caos total (até dar lugar a alguma coisa que ninguém saberia de antemão dizer o que, inclusive a extinção humana)
é o mesmo que ter medo do Estado dar calote no Tesouro sendo uma dívida INTERNA na moeda que só o Estado brasileiro emite, o Real, é impossível o governo não conseguir pagar algo que está na moeda que ele mesmo cria… se isso vier a ser uma realidade concreta a se consumar (o Real perder totalmente o valor, que é diferente do governo não conseguir pagar – dar calote), nós estaremos com problemas MUITO mais sérios do que perder o dinheiro aplicado, pode ter certeza…
Excelente Alberto!
Esse ponto do Brasil ter dívida interna é ótimo mesmo. No limite, o país da o “calote” via inflação. Que de certa forma estamos protegidos com títulos atrelados ao IPCA!
Oi HMPM!
Eu já refleti bastante sobre isso, e minha decisão tem sido esperar para ver.
Ainda não está claro se será uma boa reserva de valor (como o dólar), nem qual delas será mais estável.