Você provavelmente já ouviu aquela máxima de que “dinheiro não compra todas as coisas”. E sim, ela tem um fundo de verdade. Mas existem dois desejos fundamentais para os seres humanos que, sem dúvida, o dinheiro pode dar um belo empurrãozinho: o desejo por segurança e liberdade.
A necessidade de segurança é uma das bases na hierarquia de necessidades de Maslow. Se você não está familiarizado com a “pirâmide de Maslow”, trata-se de uma teoria psicológica que sugere que as pessoas são motivadas a satisfazer certas necessidades em uma ordem hierárquica, começando pelas mais básicas e avançando para as mais elevadas. Na base dessa pirâmide estão as necessidades fisiológicas, como comida, água, abrigo e sono. Em seguida, vem a necessidade de segurança, indicando sua importância crucial para o bem-estar humano.
Um ponto crucial aqui é a segurança financeira, que envolve a estabilidade econômica e financeira. Isso inclui garantir acesso a recursos financeiros adequados para atender às necessidades básicas e alcançar objetivos pessoais. Ter um emprego seguro, uma renda estável e a capacidade de planejar para o futuro financeiro são aspectos fundamentais dessa necessidade.
À medida que a humanidade evoluiu, aprendemos a produzir moradia e alimentos de forma mais eficiente e a viver em comunidade para garantir a segurança. No entanto, descobrimos que ter nossas necessidades básicas atendidas não era o suficiente. Passamos a desejar também liberdade. A busca pela liberdade está intrinsecamente ligada ao desejo de autonomia, autodeterminação e expressão pessoal.
E então surge uma das grandes fúrias do mundo (parafraseando meu podcast favorito do momento): como conciliar liberdade e segurança?
Como o Pondé gosta de dizer, “Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é o caos.” Afinal de contas, medidas de segurança excessivamente intrusivas podem infringir as liberdades individuais, enquanto a busca excessiva por liberdade pode comprometer a segurança pessoal ou coletiva. Encontrar um equilíbrio entre essas duas necessidades é um desafio constante para as sociedades.
Um exemplo bastante ilustrativo disso aconteceu quando duas amigas próximas se mudaram para o Canadá e me explicaram em detalhes como funciona o sistema de saúde por lá. O país adota um sistema de saúde universal, o que significa que todos têm direito a assistência médica. Não importa o que aconteça, você está assegurado pelo governo.
No entanto, surge um dilema interessante: embora o sistema garanta saúde para todos, às vezes você pode desejar pagar por um conforto extra, como optar por um parto cesariano. O problema é que essa liberdade de escolha não existe. Não é possível pagar por serviços particulares. Quem decide se você precisa de uma cesárea é o médico, geralmente seguindo orientações dos órgãos de saúde. Assim, você abre mão da sua liberdade (de pagar por uma cesárea) em troca de segurança (ter saúde garantida, independentemente da sua situação financeira).
Por outro lado, do lado de lá da fronteira, temos o sistema de saúde mais caro do mundo: os Estados Unidos. Lá, não há sistema de saúde universal, o que significa que não há essa garantia de segurança para todos. É desesperador ouvir relatos de americanos que, após enfrentarem problemas de saúde, acabaram em falência financeira por conta dos altos custos médicos.
No entanto, nos Estados Unidos, você tem a liberdade de pagar por qualquer coisa, até mesmo procedimentos inusitados, como fazer uma cirurgia de língua bifurcada para parecer uma serpente. Eu sei, pode não parecer o melhor uso do seu direito de liberdade, mas representa a liberdade em sua forma mais pura!
Embora este seja um blog sobre finanças pessoais e não sobre políticas públicas, explorar teorias psicológicas e dilemas sociais pode ajudar a ilustrar um paralelo com finanças e o argumento que eu desenvolvo a seguir.
Muitas vezes vejo pessoas buscando liberdade antes mesmo da segurança financeira. Isso é muitas vezes alimentado pela narrativa de “trabalhe com o que você ama e você nunca terá que trabalhar um dia sequer na sua vida”.
Eu detesto essa frase. Especialmente quando eu estava trabalhando. Não é que eu odiasse meu trabalho, mas estava longe de sentir paixão por ele. O que me atraía era o salário atual e as promessas de aumento no futuro, especialmente se eu seguisse uma carreira no mercado financeiro.
Essa ideia de trabalhar com paixão pode fazer com que você se sinta inadequado. Se você não ama o seu trabalho ou não trabalha com o que ama, você está errado.
O mais perigoso dessa ideia é que ela pode te levar a largar tudo na esperança de viver um sonho. Só que isso pode ser um tiro no pé. A grande maioria das coisas que a gente toparia fazer mesmo que ninguém nos pagasse por isso, normalmente são coisas que de fato ninguém quer nos pagar.
E então ou você tem alguém bancando o seu sonho, como seus pais, um parceiro, ou até mesmo o governo. Mas nesse caso você não é tão livre assim, porque dificilmente alguém topa pagar as nossas contas sem esperar nada em troca. Ou você acaba se endividando. E é aí que a sua busca por liberdade acaba com a sua segurança financeira.
E é nesse ponto o movimento FIRE me seduziu. Ele ofereceu uma saída interessante para esse dilema: uma maneira clara de conquistar a liberdade sem abrir mão da segurança financeira.
O movimento FIRE me fez perceber que trabalho nem sempre é sobre encontrar paixão, mas sim propósito. E o propósito desse trabalho pode ser fornecer dinheiro suficiente para pagar suas contas e ainda sobrar para investir. Com o tempo, você pode viver da renda desses investimentos, alcançando assim segurança financeira e liberdade.
Talvez uma adaptação melhor da famosa frase seja “trabalhe alguns anos antes de poder trabalhar com o que se ama e nunca mais trabalhar na vida”.
Quando você inverte a ordem e busca primeiro segurança antes da liberdade, está respeitando o nível hierárquico da pirâmide de Maslow. E bem, essa teoria tem se mantido válida tempo o suficiente para ser respeitada.
Mas é importante reconhecer que buscar segurança financeira antes pode ser um caminho tortuoso, com suas próprias armadilhas.
Existem aqueles que não conseguem ver o emprego atual como apenas um meio para um fim. Eles sofrem com a falta de liberdade sem se planejar para alcançá-la um dia. São os famosos trabalhadores com algemas de ouro. Eles gastam para compensar a infelicidade do trabalho, mas acabam dependendo para sempre do emprego para pagar esses gastos.
Há também os que ficam presos na busca incessante por segurança financeira. São os famosos “eu vou trabalhar só mais alguns anos” ou “não confio na regra dos 4%” ou “como vou pagar o plano de saúde se os reajustes estão sempre acima da inflação?”. São pessoas que nunca conseguem reconhecer que têm o suficiente e pagam o alto preço de nunca alcançar a liberdade.
A melhor maneira de resumir tudo isso é com uma frase de Bob Marley. Quando li essa frase, amei. Ela resume tão bem a proposta do movimento. E não poderia terminar esse texto de forma melhor.
“A liberdade é uma conquista que se faz com coragem e perseverança, enquanto a segurança é apenas um ponto de partida para novas descobertas”.
Não é linda?
Respostas de 8
Olá Lilian, boa tarde
Um ótimo artigo com um tema importante e de muita relevância para a FIRESFERA.
É Imperativo reaprender a encarar o fato de que a segurança tem o seu preço e de que como indivíduos, devemos estar prontos e atentos a fazer grandes sacríficos a fim de conservá-la. O preço para mantê-la é a eterna vigilância.
Abraços,
Eu ainda tenho dúvidas sobre qual conceito é fundamental para mim.
Eu sempre achei que fosse liberdade. Mas segurança é bem importante tb!
Mais um posto incrível Lilian! “Liberdade sem segurança é o caos”..Quanto as armadilhas do trabalho, eu acrescento mais uma: a falsa impressão de que, se vc gosta hoje do seu trabalho, será sempre assim.. Ninguem deveria apostar que nao precisa perseguir a independencia financeira pq está muito satisfeito com o que faz, pq isso pode mudar, tanto mudanças externas quanto em vc mesmo (falo por experiencia propria).. abços
Bom ponto!
Eu passei por uma troca de chefe no único trabalho que eu realmente sentia prazer, e foi horrível.
Do dia para a noite, o trabalho que era ótimo, virou um inferno!
Gostei da reflexão! Eu concordo bastante com a questão do risco de buscar um trabalho que ame em detrimento da busca pela segurança financeira. Só faço a ressalva que há pessoas que desde cedo sabem no que querem trabalhar e constroem sua identidade com base nessa vocação. Nesses casos, entendo ser bastante válido tomar mais riscos nesse caminho.
Uma coisa que acho bem interessante do Brasil é a possibilidade de escolher o concurso público para estabelecer sua segurança financeira. Os concursos de elite, ainda por cima, pagam muito bem de partida e permitem uma acumulação para FIRE sem ter de trabalhar muitas horas a mais ou ter medo de perder o emprego. Considero que para esses concursos de elite a relação risco retorno é bastante vantajosa para quem não encontrou uma vocação ou trabalho que tem paixão.
Mas é claro que precisa ter certo talento e esforço considerável para passar nesses concursos. E olha que muitas vezes você consegue tirar licenças não remuneradas caso queira fazer um test drive para eventual fire.
Abs,
Oi apoiador!
É um ótimo caminho mesmo. Inclusive vejo muita gente da comunidade FIRE Brasil que optou por isso: concurso público e depois FIRE.
Mas precisa de coragem para abrir mão de uma vaga de concursado. Quem topa pular fora, eu acho admirável!
Você está uma ótima filósofa, Pondé que se cuide! Parabéns. Esse texto me fez refletir que ainda estou no meio da minha busca por segurança, mas que o alvo central é minha liberdade. Caminho duro, ingrato, árduo, escuro e solitário. Mas ter a esperança de uma luz no fim do túnel é fundamental. Realmente não é um caminho para todos.
Adorei o “Pondé que se cuide”. Meu ego foi às alturas agora, rs!
Foco nessa segurança aí, porque eu realmente acredito que a liberdade por si só não compensa!