Um depoimento especial

Caros, o post de hoje será diferente.

Há mais de um ano, um homem me procurou com a seguinte questão:
“Lilian, eu sei que você ajuda as pessoas a se aposentarem mais cedo, mas será que você consegue ajudar um aposentado a viver com as próprias pernas?”

Ele estava falando da mãe dele. Uma senhora muito simpática, de 70 anos, que já era aposentada pelo INSS, mas não conseguia pagar as contas sozinha. O filho ajudava com as principais despesas dela, mas estava ficando muito difícil para ele equilibrar o orçamento sendo a única fonte de renda da sua família com dois filhos.

Eu confesso que, à primeira vista, foi o tipo de desafio que me causou certa relutância. Minha especialidade são os investimentos — é onde me sinto mais confortável. E fazer planejamento financeiro com idosos é sempre um desafio: é uma fase da vida em que há menos tolerância a mudanças, sem falar no choque de gerações.

Mas decidi topar o desafio, e a senhora me surpreendeu positivamente. Durante os meses em que trabalhamos juntas, descobri que a garra para controlar as próprias finanças não se perde com o tempo. Ela saiu de uma situação muito desafiadora, deu a volta por cima e hoje vive bem e em paz.

Foi um dos trabalhos mais incríveis que já ajudei a realizar na consultoria. Eu só ajudei — o mérito é muito mais dela do que meu.

Mas foi uma experiência com tantas lições importantes sobre o dinheiro, que pedi a ela um depoimento sobre a própria história para compartilhar aqui. Ela topou. Escrevemos esse texto a quatro mãos, para manter o estilo do blog.

Abaixo, o depoimento:


“Durante toda a minha vida, eu nunca me preocupei com dinheiro.

Trabalhei a vida toda como professora em uma escola particular de São Paulo. Meu marido trabalhava no mercado financeiro, e nossa vida era maravilhosa. Tínhamos tudo que queríamos. Morávamos em um apartamento confortável (que depois a Lilian me mostrou que era, na verdade, um apartamento de luxo), viajávamos nas férias, eu fazia compras nas minhas lojas preferidas do shopping e frequentava um salão de cabelereiro caro do meu bairro.

Nunca ganhei muito, mas meu marido sim. E eu acreditava que ele estava cuidando do nosso futuro.
Escrever isso me emociona — porque é difícil perceber o quanto eu confiei, sem questionar, se o plano que ele traçava era de fato sólido. E não era.

Aos 60 anos, me aposentei pelo INSS. Eu sabia que o valor da aposentadoria — hoje em torno de R$5 mil por mês — não seria suficiente para manter o nosso padrão de vida. Mas meu marido dizia que contribuía para a previdência privada da empresa, então achei que estávamos cobertos.

Esse foi o meu primeiro engano.
Na minha cabeça, quando ele se aposentasse, continuaria recebendo o mesmo salário. Eu não sabia que o que ele receberia da previdência privada seria proporcional ao valor que ele havia contribuído — e, ao que parece, ele contribuiu bem pouco. Quando se aposentou, mesmo com as duas aposentadorias (INSS e previdência privada), a renda não cobria todas as despesas da casa.

Confesso que eu não fazia ideia de quanto eram as nossas contas.
Na minha casa, como em muitas da minha geração, o homem cuidava das finanças, e a mulher, do lar. A Lilian me disse que muitas mulheres jovens ainda caem nessa armadilha de confiar cegamente no planejamento financeiro feito apenas pelo marido. Então deixo esse alerta para vocês também.

Até que a realidade chegou com força: meu marido faleceu.
Além do luto, tive que lidar, pela primeira vez, com as finanças da casa. E aí percebi o quanto fui equivocada ao longo da vida sobre esse assunto.

Mesmo trabalhando no mercado financeiro, meu marido não fez as melhores escolhas para o nosso futuro. Hoje vejo que nós dois, cada um à sua maneira, deixamos de construir um plano sólido para o futuro. Talvez, se eu tivesse participado mais, eu teria percebido algumas inconsistências. Hoje elas parecem óbvias, mas à época, nunca fiz as perguntas certas.

As perguntas eram simples:
“Quanto a gente gasta por mês?”
“E quanto vamos receber quando você se aposentar?”

Só com essas perguntas, eu teria visto que o plano era falho.

Mas eu não perguntei. E paguei caro por isso.

Quando ele morreu, descobri duas coisas:

  1. A aposentadoria do INSS dele** e a previdência privada cessaram com o falecimento.
  2. Como continuamos com o mesmo padrão de vida mesmo depois que ele se aposentou (e a renda diminuiu), ele fez empréstimos bancários para cobrir os buracos. Essas dívidas, eu herdei.

** Um leitor alertou que na grande maioria dos casos, é possível que a viúva receba sim parte da aposentadoria INSS do cônjuge falecido como forma de pensão, mesmo que ela mesma já receba aposentadoria.

O único patrimônio que restou foi o imóvel em que morávamos.
Só de condomínio e IPTU, eu precisava pagar R$5 mil por mês — o equivalente a toda a minha aposentadoria.

Na época, sofri muito.
Meu filho decidiu assumir minhas contas: pagava meu plano de saúde, as despesas da casa e me deu um cartão de crédito.
Tive que demitir minha empregada, que estava comigo há mais de 20 anos. Ao menos meu marido nunca deixou de pagar os direitos dela, então não havia dívidas trabalhistas. Meu filho assumiu o custo da demissão.

Mas logo percebi que ele também estava sobrecarregado.
Tinha a casa dele, dois filhos para criar… e eu me tornei mais um peso financeiro. Um peso grande demais.

Propus vendermos o apartamento para quitar a dívida e me mudar para um imóvel menor, com custos mais baixos.
Foi então que ele sugeriu que eu falasse com a Lilian — meu anjinho da guarda financeiro.

Na primeira sessão com ela, eu tremia por dentro.
Tinha vergonha de contar minha situação financeira desastrosa.
Mas ela foi acolhedora e me acalmou. Disse que sim, havia solução — que não seria fácil, mas era possível viver sem depender de ninguém.

E me parabenizou pela ideia de vender o imóvel. Brincou:
“Está vendo como a senhora já sabe o caminho? Só precisamos ajustar algumas coisas e você vai aprender a lidar com o dinheiro rapidinho.”

Mas vender o imóvel leva tempo.
E nesse meio tempo, meu filho foi demitido.

Tivemos que nos reunir às pressas. Ele tinha uma reserva, mas que duraria no máximo 6 meses. E se não encontrasse emprego a tempo?

Decidimos priorizar o essencial: manter o pagamento do condomínio, IPTU (para não perder o único patrimônio que eu tinha) e a escola dos meus netos.

Mas havia um custo essencial que estava pesando demais: meu plano de saúde, de quase R$4 mil por mês.

Era um plano excelente.
Mas tive que abrir mão dele. Optamos por me deixar sem plano até que meu filho conseguisse um novo emprego. Foi uma escolha difícil, feita em um momento crítico. Mas tomamos todos os cuidados para que fosse algo temporário, e felizmente correu bem.

Graças a Deus, não precisei de atendimento de urgência nesse período. Apenas marquei uma consulta de rotina para avaliar minha pressão alta — o atendimento pelo SUS demorou, mas foi bom. Como não era urgente, bastou segurar a ansiedade.

Para acelerar a venda do apartamento, reduzimos o preço.
Inicialmente, avaliei o imóvel em R$2 milhões. Anunciamos por esse valor, mas nada.
Com orientação da Lilian, baixamos para R$1,8 milhão — surgiram interessados, mas sem propostas.
Então reduzimos para R$1,5 milhão. Uma das coisas que aprendi com a Lilian nesse processo foi entender, de forma bem objetiva, o que realmente determina o valor de um imóvel: o encontro entre oferta e demanda. Se ninguém estava disposto a pagar o que eu pedia, era porque eu estava vendendo caro demais — simples assim. Não adiantava insistir em um valor baseado em lembranças ou no que eu achava “justo”.

Recebemos uma proposta de R$1,4 milhão e aceitamos.Mais do que o valor de mercado em si, pesamos o custo emocional e financeiro de continuar esperando indefinidamente. Tomamos a decisão de vender. Após o desconto de impostos e comissões, sobraram R$ 1,1 milhão líquidos.

Nessa época, minha dívida com o banco já estava próxima de R$300 mil. Então, depois de quitar essa dívida, me restaram cerca de R$800 mil. Foi com esse valor que eu e a Lilian fizemos um novo plano.

Primeiro, definimos um teto para o custo de moradia. Como eu queria continuar morando sozinha, decidimos procurar um apartamento de um dormitório, em um bairro seguro, com condomínio baixo e próximo ao metrô. Visitamos vários, e eu percebi que o que mais importava para mim era me sentir acolhida e segura – não precisava ser um lugar luxuoso, mas um lugar onde eu pudesse envelhecer com dignidade. Encontrei esse lugar por R$400 mil. Paguei à vista e me mudei. Foi uma sensação de alívio e liberdade que eu não sentia há anos.

Com o que sobrou, a Lilian montou uma carteira de investimentos conservadora, mas que me rende uma renda mensal de cerca de R$2 mil. Junto com minha aposentadoria do INSS, consigo viver com R$7 mil por mês. Isso é mais do que suficiente para pagar minhas contas, meu novo plano de saúde e ainda sobra para pequenos luxos, como um almoço com as amigas ou uma ida ao teatro.

Hoje, eu me sinto leve. Pela primeira vez na vida, entendi o valor do dinheiro e o quanto ele pode ser libertador – não para comprar coisas caras, mas para viver sem medo. Tenho orgulho da minha trajetória, mesmo que cheia de tropeços, porque foi através dela que eu me encontrei.

Se eu puder dar um conselho para as mulheres mais jovens, é esse: participem. Façam perguntas. Não deixem o planejamento financeiro da família nas mãos de outra pessoa sem entender o que está acontecendo. Vocês não precisam ser especialistas, mas precisam estar presentes. Se esse relato puder evitar que outras mulheres passem por algo parecido, já valeu a pena compartilhar.

E para as mulheres da minha idade: nunca é tarde. Não importa se você tem 60, 70 ou 80 anos. Sempre há tempo de aprender, de se reorganizar e de tomar as rédeas da própria vida.

A vida é feita de escolhas, e escolher olhar para o dinheiro de frente foi o que me salvou.”


Antes de terminar, quero dizer que este é um post muito especial para mim. Ele carrega uma história sensível, corajosa e profundamente generosa. Você pode lê-lo com muitos olhares — de empatia, de aprendizado, de identificação — mas peço que não seja com o olhar da crítica.

Por isso, excepcionalmente, os comentários estão desabilitados nesse post. Quero proteger essa mulher incrível que teve a coragem de compartilhar conosco um pedaço tão íntimo da sua trajetória. Que esse relato toque você como tocou a mim — com respeito e com amor.

Se sentir vontade de comentar ou compartilhar algo que esse texto despertou em você, escreva para aposentadaaos30@gmail.com. Terei o maior prazer em encaminhar para ela.