Os altos e baixos da vida — e mais um benefício da independência financeira

Caros leitores, como disse no meu último post, eu tirei férias e fui viajar para a Itália por 3 semanas com o meu marido. Mais um sonho da vida FIRE realizado — e também um lembrete brutal de como a vida pode ser imprevisível, por vezes frustrante, por vezes sublime.

Decidimos rodar a Itália de trem, de Napoli a Milão, parando em diversas cidades pelo caminho, trocando de hotel oito vezes. Uma loucura turística que a gente não fazia desde 2019 — e que logo lembramos o porquê não repetíamos há tanto tempo.

Eu não sei por que escolhemos, voluntariamente, uma forma de viagem que envolve carregar malas pesadas por escadas infinitas, decifrar máquinas de bilhetes de metrô em línguas estrangeiras, se adaptar a um novo quarto — e um novo chuveiro — a cada três dias.

Talvez porque essa forma de viajar nos faz sentir vivos. Cada deslocamento é um mini renascimento: nova cidade, novas pontos turísticos, novos desafios. A rotina se desfaz completamente. Você não está mais no controle — e isso, paradoxalmente, te traz uma outra forma de liberdade. Viajar assim nos lembra que o mundo é imenso e que a gente é pequeno.

Durante o voo de volta, decidi revisitar as fotos e vídeos da viagem. Passei por cada refeição deliciosa, cada paisagem inesquecível, cada cidade com sua própria história. Revivi o encantamento de caminhar pela Pinacoteca do Vaticano, me perder entre obras do Renascimento, observar a evolução da arte e da sensibilidade humana através dos séculos. E mesmo cansada, mesmo frustrada com o que havia acabado de acontecer, não pude deixar de pensar: ok, valeu o perrengue.

Sim, porque a viagem terminou com um grande perrengue. Nosso voo de volta ao Brasil sairia de Paris, e o plano era simples: nos despedir de Milão, voar até Paris e dormir algumas noites por lá antes do embarque final. Mas, no dia da partida, recebemos um e-mail da companhia aérea informando que o voo, originalmente marcado para as 13h, havia sido remarcado para 15h25. Com o novo horário, achamos prudente sair mais tarde para o aeroporto

Chegamos ao aeroporto às 13h — exatamente 2h25 antes do novo horário de embarque. Mas, ao procurar o balcão da companhia aérea, ele estava… vazio. Nenhum funcionário à vista. Procuramos o balcão de informações e fomos recebidos com uma brutalidade italiana que, confesso, mesmo depois de três semanas rodando o país, ainda me espantava.

Como estávamos com duas malas para despachar, não nos deixaram passar pela segurança. Meu marido ficou do lado de fora com as bagagens, enquanto eu entrei sozinha na área de embarque, determinada a encontrar alguém da companhia. Encontrei. Mas, em vez de ajuda, recebi hostilidade. A funcionária foi ríspida desde o início — praticamente me chamou de burra por não saber que o despacho de bagagens encerrava uma hora antes do horário original do voo, e não do remarcado. Nenhuma linha do e-mail indicava isso. 

Quando percebi que ela não resolveria o problema, liguei para o meu marido para dar a má notícia. Foi nesse momento que a tensão acumulada transbordou. Comecei a chorar, tomada por um misto de raiva e frustração pela hostilidade com que estávamos sendo tratados. Curiosamente, foi só então que a funcionária pareceu despertar algum resquício de empatia. Meu desabafo, um tanto exaltado — é verdade — parece ter tocado algo de humano nela. Ela mudou o tom. Passou a tentar, de fato, ajudar.

Mas não havia muito o que fazer. Por mais que tentasse convencer a segurança a deixar meu marido passar com as duas malas — recheadas de garrafas de vinho, inclusive — a chance era mínima. E não tivemos alternativa: decidimos nos separar.

Eu embarquei. Meu marido ficou para trás, teve que comprar um novo voo de última hora, pagar 200 euros extras e, como chegou em Paris por outro aeroporto, sobrou para ele arrastar sozinho as duas malas até o hotel. Eu não estava em melhor situação: meu voo ainda atrasou quase três horas para pousar em Paris.

E eu confesso que, naquele momento, pensei: viajar é uma merda. Porque viajar é isso. Uma sucessão de contrastes intensos. É claro que os momentos altos da viagem foram muitos. Um pôr do sol na Toscana. Uma obra do Michelangelo que te faz entender o que é belo. E aquela muçarela italiana que nem o mercado mais chique de São Paulo vende.

Mas então, no instante seguinte — ou talvez no dia seguinte — você se vê perdido num aeroporto estrangeiro, sem ajuda, humilhado por uma estranha, gastando dinheiro que não planejou. Você sente raiva, frustração. Os baixos, nesses momentos, são baixíssimos.

E não é curioso como isso se parece com a vida? Com os relacionamentos? Com os casamentos e as amizades? Há fases em que tudo parece fazer sentido, em que você sente que encontrou seu lugar no mundo. Mas há outras em que tudo desanda — você não se reconhece, não sabe onde pisar, e o outro parece um estranho.

E, claro, nessas horas a mente se pergunta: será que não dava pra pular essa parte? Viver só os altos?

Muita gente mais parruda do que eu já tentou achar direções para isso. Para os estoicos, por exemplo, o ideal de vida boa estava ligado à ataraxia, um estado de serenidade interior, de imperturbabilidade. Em que o indivíduo permanece calmo diante tanto do prazer quanto da dor. A chave, para eles, era entender que não temos controle sobre o que nos acontece, mas temos total responsabilidade sobre como reagimos. A dor, o fracasso, a frustração — todos esses sentimentos fazem parte da vida, mas não precisam nos dominar.

Mas confesso que eu acho a teoria linda — e a prática, dificílima. Meu desespero no portão de embarque do aeroporto de Milão é a prova disso. 

Durante essa epopeia italiana, aprendi uma coisa curiosa: há uma divisão dentro da igreja católica entre os que servem o público e os que vivem em monastérios.

Nos monastérios cristãos, os indivíduos vivem uma vida totalmente voltada à contemplação e à oração. Monges e monjas se retiram do mundo para buscar uma conexão mais profunda com o divino, longe das distrações e das vaidades do cotidiano. Essa retirada consiste em viver uma rotina simples, silenciosa, disciplinada. E segundo eles, essa sim é uma vida que consegue alcançar uma paz mais duradoura.

Sabe aquela expressão parem o mundo que eu quero descer? Olhando para a vida dos monges, tenho a impressão de que eles conseguiram. De algum modo, encontraram uma saída para fora da montanha-russa da vida comum.

Mas descer do mundo exige renúncia. Eu imagino que os monges não devem viajar por 3 semanas de trem pela Itália com seus companheiros.

Os monges, no fundo, apostam na estabilidade ao invés da intensidade. 

E eu entendo essa escolha. Admiro profundamente quem consegue vivê-la. Às vezes, até invejo um pouco essa paz de quem se bastou. Mas, honestamente? Ainda não é pra mim.

Ainda sou atraída pelos altos da vida. E sim, ainda vou continuar viajando — mesmo sabendo que, de vez em quando, viajar é uma merda.

E o que toda essa história tem a ver com finanças pessoais? 

A conclusão não é que você deveria parar de gastar dinheiro com viagens e se aposentar mais cedo. A conclusão é um pouco mais sutil.

Enquanto o guia descrevia a vida dos monges, percebi que minha própria vida, hoje, tem um quê de monástica. Não porque renunciei aos prazeres do mundo — claramente, não renunciei. 

Desde que atingi a independência financeira, boa parte dos meus dias se parece com um retiro monástico. Fico sozinha a maior parte do tempo, num ambiente altamente controlável: minha casa, minha academia, meu supermercado. Faço minha própria comida. Leio filosofia. Estudo. Quase não interajo com outras pessoas. É, sim, uma vida serena — e por vezes, profundamente satisfatória. E nessas horas, eu entendo os monges.

Mas é também uma vida que me permite quebrar essa rotina de vez em quando. Me jogar nos extremos. Sentir o impacto da vida lá fora.

Parece que eu sempre defendo o FIRE como solução mágica para tudo. Mas tentem entender meu viés: eu revolucionei a minha vida profissional, financeira e social para atingi-lo. É natural que eu queira reafirmar essa escolha radical.

E talvez seja exatamente isso que me fez buscar o FIRE: uma forma de viver mais perto do equilíbrio, sem precisar me retirar completamente do mundo. Uma espécie de meio-termo — uma vida com espaço para a contemplação e o silêncio, mas também para o caos e a beleza dos dias em movimento. Três semanas viajando. Três semanas de contrastes, de emoção, de caos. E, depois disso, a volta pra casa. Para a minha rotina silenciosa, com meus próprios pensamentos. Uma segunda-feira tranquila. Sem chefe, sem reunião, sem cobrança.

Aquela velha sensação de depressão pós-férias, que era tão comum quando eu trabalhava, simplesmente desapareceu. Hoje, existe o prazer de voltar. E, para espanto de muitos, uma alegria quase tão forte quanto a que senti no museu do Vaticano. 

Talvez a vida FIRE seja isso: uma forma de se retirar, de tempos em tempos, dos altos e baixos do mundo — sem precisar virar um monge, sem abrir mão das delícias e contradições da vida comum. Um caminho do meio entre a intensidade e a renúncia total. 

Respostas de 9

  1. Que saudade que estava dos seus textos!!! Viajar é se colocar em movimento. E onde existe movimento, existe obstáculo. Mas confesso que viagem de 3 semanas em ritmo intenso, eu não consigo mais… E também sou mais do lugar bucólico onde o movimento é mais devagar (tô parecendo uma senhorinha falando). Eu AMEI os 2 meses que passamos na Itália num grau que penso em morar lá até hoje…

  2. Sempre sonhei em alcançar o FIRE para ter liberdade de viajar pelo mundo… mas depois de anos viajando a trabalho, percebi que essa ideia romantizada não é pra mim. Tenho 46 anos e hoje, só de pensar em aeroporto, me dá ansiedade. A confusão, o barulho, filas infinitas, despachar mala, controle de segurança… virou gatilho de pânico. Sinceramente, não consigo mais. Quando eu alcançar o FIRE, quero paz — e isso definitivamente não inclui viajar pra fora do país.

  3. Olha confesso que eu queria muito ser FIRE para viajar o mundo, mas agora com 45 anos de idade tendo viajado muito a trabalho sei o que eu não quero para a minha vida, passar outra vez por uma situaçào dessas em um AEROPORTO.
    Para mim não há lugar no MUNDO pior do que um aeroporto. Tenho trauma, chego a ter ataque de panico de ter que despachar mala e passar pelo TSA/Segurança.
    Nao sei o que vou fazer quando FIRE, mas uma coisa eu sei que não vou – VIAJAR

  4. Adorei o paralelo entre a vida monástica e o que o FIRE oferece. Essa liberdade de escolha vale qualquer sacrifício anterior!

  5. mês passado retornei de uma viagem pela Europa e tive problema parecido (além da frieza e rispidez de muitos por lá, é claro): cancelamento e troca de vôo sem aviso prévio e em cima da hora.
    Mas foi na ida (escala Paris) e por cia aérea brasileira.

    neste caso, estamos entrando com ação judicial.

    veja se não há alguma lei ou regra que te ofereça ressarcimento, para o seu caso.

  6. Os nossos pais e avós não sentiam essa necessidade “moderna” de viajar tanto e para tão longe e eram, muito provavelmente, mais felizes do que nós. Venho pensando sobre isso nos últimos tempos…… Viajar é muitas vezes estressante, principalmente para países que tratam brasileiros como “lixo”. Atualmente eu tenho um posicionamento de nunca mais ir aos EUA, ou a outros países que exigam vistos , a não ser que seja a trabalho.

  7. Que post espetacular, Aposentada! Não estou sendo insensível, imagino MESMO o perrengue que você passou, eu também fiz muito recentemente uma viagem de 20 dias pela Europa, 4 países, trem, avião, ônibus, muitas mudanças de hotel, é realmente uma loucura, mas consegui passar sem nenhum perrengue muito grande, hehe. Mal posso imaginar o que é voltar de um rolê desse e conseguir se manter sereno por não ter nenhum chefe ou reunião te esperando! Te invejo de mais.

    Abraço
    https://engenheirotardio.blogspot.com/

    1. Sorte sua que evitou os perrengues! Rs
      Essa viagem tiveram muitos outros que eu não quis listar no post, rs, foi uma loucura turística.
      E siga firme na sua busca da IF que logo mais vc tá vivendo a vida monástica FIRE rs

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